segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A crise expõe todas as contradições

Nota política do PCB (Partido Comunista Brasileiro)

O Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) avalia que a crise que se alastra pelo coração do sistema capitalista e que atingiu os principais símbolos financeiros do grande capital, como Lehman Brothers, Fredy Mac, Fannie Mae, Meryl Linch, AIG, entre outros, é a mais grave crise desde a grande depressão de 1929 e significa, ao mesmo tempo, o dobre de finados do neoliberalismo e a desmoralização ideológica do capitalismo.


Os últimos acontecimentos destróem todos os mitos construídos nos últimos 30 anos de que o pensamento único do livre mercado levaria a sociedade à abundância e que seria o “fim da história” para qualquer alternativa fora dos marcos capitalistas. Todos esses mitos criados para endeusar o neoliberalismo e toda a verborragia do livre mercado foram por água abaixo com a crise, que começou no ano passado e que se aprofunda agora de maneira avassaladora. Esta crise revela ao mundo a degeneração do sistema financeiro desregulado. O feiticeiro já não consegue mais controlar suas bruxarias e o alquimista está queimando as mãos com o fogo que acendeu.


As agências de riscos, que se comportavam como semi-deuses do mercado até recentemente, estão inteiramente desmoralizadas: seus prognósticos reduziram-se a pó, da mesma forma que o mito do mercado está derretendo como gelo nos trópicos. Os agentes do capital, que se gabavam do livre mercado e da redução do papel do Estado na economia, agora não conseguem esconder sua hipocrisia ao utilizarem o próprio Estado para estatizar empresa falidas, numa transferência de recursos para salvar os especuladores privados.


Até agora, só o governo dos EUA já injetou mais de US$ 1 trilhão no sistema financeiro para evitar a bancarrota geral e salvar seus especuladores. Mesmo assim, não consegue resolver o problema. Os Bancos Centrais Europeus e do Japão também já injetaram mais de U$ 500 bilhões para salvar seu sistema financeiro. Mais uma vez, repete-se a máxima das classes dominantes: quando a economia vai vem, privatizam-se os lucros, quando a economia vai mal, socializam-se os prejuízos.


Mas essa crise está apenas no começo: a queda nas bolsas, a quebra de empresas e o socorro desmoralizante do Banco Central norte-americano às empresas quebradas são apenas os acordes iniciais de um processo que será longo e doloroso para o sistema capitalista. A crise tende a se espalhar para outras regiões e atingir os fundos de pensão e também a economia real, levando o sistema capitalista à recessão, ao desemprego e à ofensiva contra os trabalhadores e o movimento sindical.


Quando ocorrem crises nestas proporções, o grande capital busca se entrincheirar no Estado, no aparato legal e nos seus organismos institucionais, como os Bancos Centrais, a fim de tentar salvar suas posições. Partem com força quase unitária para ampliar o raio de exploração dos trabalhadores, retirarem-lhes direitos. Tentam de todas as formas recuperar aquilo que estão perdendo na farra da especulação financeira. É justamente nesta hora que os trabalhadores devem mostrar resistência. Não cair na falácia de que “cada um deve dar sua contribuição para que todos se salvem”, haja vista que quem quer ser salva é a burguesia e seu sistema de exploração.


Por isso, essa crise coloca para os trabalhadores imensos desafios: organizar-se e resistir aos ataques que certamente virão. Mas é também nesta conjuntura que o poder da burguesia se fragiliza e que os trabalhadores podem abrir espaço na crise para afirmar seu projeto de emancipação. Mais uma vez, estão colocadas na ordem do dia a inviabilidade do capitalismo enquanto sistema organizador da sociedade humana e a necessidade da construção da alternativa socialista, como única capaz de salvar a humanidade da barbárie.



Rio de Janeiro, setembro de 2008

Comitê Central do PCB

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Voto obrigatório ou optativo?

Emir Sader

O tema volta sempre: se votassem apenas os que se interessam, o país seria melhor. O problema estaria no voto dos alienados. Assim a democracia seria melhor, votariam os conscientes, os interessados.

Além de que, como um direito – o voto – teria que se tornar em uma obrigação? Um direito pode ser exercido ou não, devo ter o direito de exercê-lo, se quero. Seria um absurdo obrigar as pessoas a votar contra a sua vontade.

Mas será mesmo que é assim?

Antes de voltar ao tema, tomemos um país em que o voto não é obrigatório: os EUA. Lá as eleições se realizam numa terça-feira de novembro, vota quem quer. As pessoas não são liberadas, nem têm licença para votar. Votam quando podem, quem pode, quando conseguem liberar-se e ter o tempo no horário de almoço para ir do trabalho ao local de votação e retornar a tempo. Logicamente parece perfeito. Mas qual o resultado disso?

O resultado é que, no país que, por seu caráter imperial, mais influência tem sobre o conjunto da humanidade, o presidente é eleito – mesmo quando não há fraude visível – por uma minoria dos norte-americanos. E quem deixa de votar? Os negros, os latinos, os idosos, os pobres - todos os que vivem mais marginalizados na sociedade, com menos informação, menos organização, maiores dificuldade para dispor de tempo livre. Votam, em geral, maciçamente, a classe média branca e a burguesia. Os que mais necessitam reivindicar direitos postergados – os mais pobres, os mais discriminados, os que menos grau de instrução. Assim, com o voto optativo, a democracia é ainda mais restrita. Os democratas, que costumar ser menos direitistas que os republicanos, só ganham – como pode ser o caso agora – quando conseguem mobilizar maciçamente aos negros, aos latinos, aos pobres. Os republicanos são mais organizados, mais informados, costumam votar maciçamente. Os EUA são ainda menos democráticos, tem menos participação política, com o voto opcional.

A idéia de terminar com o voto obrigatório tem história longa no tempo no Brasil. Derrotada sempre por Getulio Vargas, a UDN – o bloco tucano-pefelista da época – reivindicava o fim do voto obrigatório e até mesmo a introdução do voto de qualidade, em que, por exemplo, um engenheiro teria maior quantidade de votos que um operário. A polarização de voto na época era parecida com a de agora. A grande imprensa mercantil – a quase totalidade dos jornais, rádios e televisões – se opunha a Getúlio (recordemos sempre que a Folha, o Estadão, o Globo, entre tantos outros, apoiaram, propugnaram e saudaram freneticamente o golpe militar e a instauração da ditadura militar; o único jornal que não apoiou, a Última Hora, foi fechado). Era expressão do desespero da direita oligárquica de que o povo votasse pelas políticas sociais do Getúlio.

Hoje passa algo igual. Fora das eleições, a direita - PSDB, DEM, Folha, Globo, Veja, Estadão – acha que defende os interesses do país e tenta passar essa idéia pelo tom em que falam. Reparem que costumam escrever editoriais e artigos com construções que buscam enganosamente passar essa idéia, cheios de “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” –com sujeitos ocultos, tentando passar a idéia de que defendem um bem comum. Na realidade “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” – para os interesses que eles defendem e de que são porta vozes, os grande monopólios privados, bancários, industriais, comerciais, agrícolas. Esses são os sujeitos ocultos cujos interesses expressa a direita na sua imprensa mercantil.

A última pesquisa Sensus – que eles trataram de esconder – diz que apenas 13% dos brasileiros tem qualificação negativa do governo Lula. Essa é a fatia da população que eles expressam, tentando passar por cima dos interesses de uma camada cinco vezes maior – de 65% - que apóiam o governo. Isto é, de cada 6 brasileiros que expressam sua opinião, 5 apóiam o governo e um apóia a oposição – seus partidos e sua imprensa.

Mas esses 2/3 da população são claramente os mais pobres, os que não assinam e não lêem essa imprensa de direita, não prestam atenção no que diz o jornalismo televisivo. São os que teriam mais dificuldades para ir votar caso as eleições se realizassem em dia de semana, por exemplo. (Na eleição de Evo Morales, na Bolívia, mais de um milhão de indígenas, que votaram maciçamente por Evo, não puderam votar porque não estavam informados de que os que não tinham votado nas eleições municipais anteriores, teriam que ter feito um trâmite na Justiça Eleitoral para poder votar e assim a grande vitória de Evo poderia ter sido maior ainda, poderia ter-lhe dado maioria também no Senado e nos governos dos estados, caso isso não tivesse acontecido.)

O sentimento da direita é de que gastam todo o seu tempo em denunciar irregularidades – supostas ou reais – no governo e nos aliados do governo, mas isso não tem efeito algum sobre a opinião pública. A proposta de abolição do voto obrigatório seria um instrumento a mais para tentar diminuir a importância do voto dos pobres que, pelas políticas que secularmente a própria direita desenvolveu – são a grande maioria da população.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

PARAGUAI: um país em disputa!

Ivan Pinheiro (*)

Na abertura da cerimônia de posse de Fernando Lugo, ouviu-se duas vezes seguidas o Hino Nacional. Na primeira, cantada em espanhol, os comandantes militares encheram o peito, perfilaram-se e colocaram a mão direita em continência. Na segunda, em guarani, eles se descontraíram e arriaram os braços. Em seguida, ouviram inertes o novo Presidente anunciar, entre outras intenções, que acabará com a corrupção e que as Forças Armadas terão que passar ao povo segurança e respeito, ao invés de medo.

A posse foi marcada pela esperança popular, após sessenta anos do mesmo partido conservador no poder. 96% dos paraguaios confiam que haverá mudanças positivas. Houve simbolismo até no tratamento aos chefes de Estado da América do Sul. Foram marcantes as ausências de Alan Garcia, do Peru, e Álvaro Uribe, da Colômbia. Foi impressionante o recado do povo paraguaio, ao aplaudir os presentes exatamente na proporção das mudanças que promovem em seus países, na seguinte ordem crescente: Tabaré Vasquez, Bachelet, Lula, Cristina Kirchner, Rafael Correa, Evo Morales e Hugo Chávez.

Uma semana depois da posse, a primeira providência de Lugo foi substituir os comandantes militares. A segunda foi decretar o início da reforma agrária, exatamente em terras onde o ditador Strossner expulsou guaranis para doá-las ilegalmente a aliados, incluindo alguns colegas de farda.

Mas apesar da manifesta vontade política do novo Presidente e de seus compromissos com os movimentos sociais, sobretudo indígenas e camponeses, serão enormes as dificuldades para levar adiante seu programa de mudanças democráticas, populares e nacionais:

- o Paraguai se ressente até hoje do massacre levado a efeito pela chamada Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) – lá chamada de "Tríplice Infâmia" – que dizimou quase toda a população, especialmente a masculina. As tropas brasileiras, ao se retirarem, saquearam o país, inclusive o Arquivo Nacional paraguaio, absurdamente ainda não devolvido pelo nosso governo.

- o país conta com menos de seis milhões de habitantes, cuja maioria vive na pobreza e no analfabetismo. A população é submetida a uma alienação profunda. O país é satélite econômico e cultural dos Estados Unidos e "sócio de luxo" de Taiwan: à falta de indústrias, exporta matérias-primas e importa quase tudo, inclusive bugigangas para intermediar.

- a frente que elegeu Lugo é heterogênea:
- APC (Alianza Patriótica para el Cambio) – Partido Liberal e Tekojoja;
- APS (Alianza Patriótica Socialista) – Partido Comunista Paraguaio, Partido Convergência Popular Socialista, Partido da Unidade Popular, Plenária Política Campesina e Indígena etc;
- PMAS (Partido do Movimento ao Socialismo).

- o Vice-Presidente é do Partido Liberal, um partido social-liberal. É o partido mais forte dos que apoiaram Lugo e o único deles que elegeu representantes: quase um terço dos Deputados e Senadores, além de alguns governadores e prefeitos.

- os Colorados (há 60 anos no poder) têm as maiores bancadas no Congresso Nacional (Câmara e Senado), além do maior número de Governadores e Prefeitos; em aliança com o partido de Lino Oviedo, a oposição de direita tem dois terços das duas casas legislativas. O outro terço é de liberais.

- os partidos de esquerda estão em reconstrução. Nenhum deles elegeu parlamentares ao Congresso Nacional, nem governadores e prefeitos. Só o Tekejoja elegeu um deputado, mas específico para o Parlatino. O novo Presidente é filiado a esse partido, criado por movimentos sociais antes das eleições.

- Fernando Lugo terá que conviver com uma cúpula burocrática corrupta e reacionária: colorados ocupam os principais cargos na Justiça, no Corpo Diplomático, nas Forças Armadas, nos Ministérios, no Congresso Nacional e até na Presidência da República e no Palácio de Governo. Uma das maiores fontes de corrupção é Itaipu Binacional.

- a classe operária e os sindicatos têm pouco peso político. Com o avanço avassalador do agronegócio (o país é o quarto produtor mundial de soja), o papel do campesinato também diminuiu.

- os jornais diários e canais de televisão são todos burgueses.

A fronteira e a identidade cultural com a Bolívia podem ajudar na consolidação do processo de mudança, ainda que os povos originários no Paraguai não tenham o peso quantitativo e qualitativo que têm naquele país vizinho.

No entanto, a necessidade de saída para o mar e de renegociação dos acordos energéticos com Brasil e Argentina podem levar Lugo a gravitar em torno dos governos desses dois países, exatamente dos mais moderados, do ponto de vista de mudanças. Lula e a nossa esperta diplomacia podem se valer da situação para fortalecer no Paraguai os interesses da burguesia brasileira, integrada ao capital internacional. Ao invés de territórios, como no passado, agora conquistamos mercados.

O Presidente está sendo obrigado a compor o governo com a velha fórmula de destinar os ministérios econômicos para conservadores (como o Ministério da Fazenda, entregue a um ex-ministro de Nicanor Duarte, afinado com as políticas do FMI) e os ministérios políticos e sociais para progressistas.

Se resolver ser fiel às promessas de mudanças, Lugo terá que adotar no curto prazo ações emergenciais destinadas a mitigar alguns problemas sociais, para não perder a credibilidade popular, criando condições para uma governabilidade social, já que não disporá de governabilidade institucional, salvo se trair seu programa. Essas ações servem também para evitar um golpe da direita, que começou a ser costurado quinze dias após a posse, conforme Lugo denunciou publicamente. Afinal, a direita paraguaia é articulada com o imperialismo norte-americano, que mantém, perto do aeroporto de Assunção, uma base de espionagem para todo o Cone Sul. O Paraguai tem uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aqüífero Guarani.

A convocação de uma Assembléia Constituinte específica, com composição distinta do Congresso Nacional e aberta a candidaturas de partidos e movimentos sociais, pode ser uma alternativa para mudar a correlação de forças, desde que precedida de medidas sociais efetivas e de grandes mobilizações populares.

Talvez o melhor modelo ainda seja o que está dando certo na Venezuela, no Equador e na Bolívia, cujos Presidentes se elegeram sem maioria no parlamento ou sem nenhum parlamentar, como foi também o caso de Rafael Correa. O Presidente convoca uma consulta popular, através de plebiscito, para o povo decidir se quer convocar uma Constituinte específica.

Mas para começar a enfrentar alguns problemas sociais o Presidente só dispõe de uma fonte: a água, que pode representar para ele o que o petróleo representa para Hugo Chávez e o gás para Evo Morales.

Mas isso dependerá de uma melhor remuneração do excedente de energia elétrica que o país vende, sobretudo para o Brasil, pois não consome mais do que 5% da produção. Daí a necessidade de renegociar com o Brasil o acordo de Itaipu Binacional, assinado por ditaduras nos dois países, em 1973, pelo prazo de 50 anos!

Temos com o Paraguai uma dívida humanitária. O Brasil é co-responsável pela situação de miséria em que vive a maioria do povo paraguaio. Portanto, cabe-nos pressionar o governo brasileiro a renegociar os termos do acordo de Itaipu, como uma reparação histórica, não como uma oportunidade de negócios.

Não há um país na América do Sul em que nossa solidariedade pode ajudar tão concretamente um povo irmão e vizinho a viver melhor.