sexta-feira, 31 de outubro de 2008

SEMANA ANTIIMPERIALISTA – CONTRA O LUCRO, ACIMA DA VIDA

Divulgando - Fazendo Média - http://www.fazendomedia.com/2008/movimentos20081023.htm
Por Gilka Resende, da redação, e Rafael Duarte (*)

Entre os dias 12 e 18 de outubro aconteceu a Jornada de Lutas da Semana Antiimperialista, atividade unificada proposta durante o Encontro de Trabalhadores Latino-Americanos e Caribenhos (ELAC), realizado em julho último na cidade de Betim, Minas Gerais.

As principais reivindicações foram: retirada das tropas do Haiti, aumento geral dos salários, redução da jornada de trabalho e fim dos leilões de petróleo. Os manifestantes também protestaram contra as privatizações de empresas estatais, a mercantilização da educação e da saúde e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Também foi destaque o apoio ao povo boliviano e a luta pela soberania alimentar.


Protesto contra alta nos preços dos alimentos no Rio de janeiro

Na capital carioca as atividades se concentraram na quinta-feira, 16. O ato público Mulheres em Luta pela Soberania Alimentar escolheu a fachada de um supermercado da Rede Sendas para discutir a alta nos preços dos alimentos, chamando atenção de passantes. Alguns até se juntaram à manifestação.


Busca pelo lucro é responsável pela alta dos preços dos alimentos.



Foto: Leila Salles/ Pacs




“Os alimentos estão em alta porque sua comercialização está nas mãos destas empresas que só querem ganhar dinheiro, cada vez mais, à custa do prato de comida do povo. (...) Pagamos caro por uma crise que, ao contrário do que afirma o Governo Federal Lula e o Estadual Cabral, afeta-nos muito”, indicou trecho do documento divulgado pelas organizadoras. Um grande tapete lilás, cor que representa a luta feminista, foi estendido no chão. Nele, mensagens de crítica à atual lógica de produção e distribuição dos alimentos que gera exclusão no mundo.


A atividade defendeu o reconhecimento e o fortalecimento do trabalho das mulheres e a reforma urbana e agrária. Mulheres e homens, também presentes na manifestação pública, exigiram uma outra economia, que proporcione uma sociedade sem fome.


Mais duas manifestações de rua à tarde

Mulheres da Via Campesina, que também compuseram o ato da manhã, foram para Belford Roxo. Cerca de 300 integrantes fizeram outro ato público, dessa vez, em frente à sede da transnacional Bayer. Desde a entrada da cidade, os ônibus que levavam os manifestantes, vindos de diversas regiões do estado, foram escoltados pela polícia.


A atividade seguiu a linha política do protesto realizado mais cedo, denunciando o modelo de agricultura industrial controlado por grandes empresas transnacionais. Os presentes responsabilizaram esse modelo pela elevação do preço dos alimentos e pelo crescimento de famintos no mundo.

Mulheres em frente à Bayer. Foto: Rafael Duarte.


A Via Campesina defende a reforma agrária e uma política de apoio à agricultura familiar. “Queremos propor uma outra lógica de relação do homem com o campo. Defendemos a agroecologia. A Bayer é uma transnacional que monopoliza a produção de sementes, usa os venenosos agrotóxicos, rouba nossas riquezas e explora os trabalhadores brasileiros. Fizemos esse ato pois a Bayer representa tudo que combatemos” disse Eliana Souza, da direção estadual do MST.



Ato unificado contra a política imperialista

Simultaneamente, no Centro da cidade, representantes de diversas entidades saíram da Candelária em direção à Avenida Rio Branco, forte centro financeiro do Rio. A passeata intitulada Que os ricos paguem pela Crise Econômica! levou cerca de 350 pessoas a um extenso percurso. Por conta da multiplicidade de reivindicações, foram várias paradas em pontos simbólicos.

Após atravessarem a Rio Branco, professores e estudantes criticaram o Projeto Reuni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) em frente ao prédio do Ministério da Educação (MEC). O projeto foi aprovado, em 2007, em circunstâncias antidemocráticas, segundo os manifestantes. Os secundaristas, em maioria na manifestação, denunciaram a precariedade do ensino em suas escolas e a restrição ao Passe-Livre; nem todos têm acesso ao direito e, aos que têm, restam apenas 60 passagens.

“As Barcas S/A não liberaram nossa passagem hoje, por exemplo. Parece que os governantes pensam que a educação e a cultura só estão no caminho casa e escola. Não temos o direito de participar de uma manifestação? De ir ao museu, ao teatro? Um absurdo!”, reclamou Carine Vasconcellos, 16 anos, estudante do Colégio Pedro II, de Niterói. Os cerca de 150 secundaristas chegaram até o ato público por meio de ônibus intermunicipal, isso depois de pressionar a empresa de ônibus, contaram.

Em frente à Companhia Vale do Rio Doce, Marcelo Durão, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), lembrou a Campanha pela re-estatização da empresa, ocorrida em 2007. Na ocasião, 94,5% dos 3,7 milhões de participantes disseram “não” a uma Vale entregue ao capital privado. A mineradora foi vendida, em 1997, por R$ 3,3 bilhões, sendo que seu valor estava orçado em mais de R$ 10 bilhões. “Essa empresa é responsável por grandes crimes ambientais e quase sempre sai imune. A Vale, que deveria ser do povo brasileiro, foi vendida por preço de banana. Ela tem até uma Agência de Inteligência, dentro deste prédio aí, que estuda as ações do MST”, disse Durão, relacionando o atual papel da empresa às políticas imperialistas.

A Embaixada dos Estados Unidos foi mais um ponto de parada. Lá, como não poderia deixar de ser, a principal pauta foi a crise financeira. “Nunca há dinheiro para a educação, para a saúde. Mas sempre há dinheiro para os banqueiros”, protestou Emanuel Cancella, secretário geral do Sindipetro-RJ. Depois, os militantes queimaram o “símbolo do império”, a bandeira estadunidense. “Estamos em frente à embaixada do país que é coração do imperialismo, em frente aos que se acham donos do mundo”, caracterizou, em cima do carro de som, Ciro Garcia, do PSTU.

A marcha foi pacífica. Apenas um pequeno estresse entre um guarda municipal, que ministrava o trânsito na altura do prédio da Vale, e alguns militantes. Uma jovem senhora loira não aceitava esperar a manifestação passar para sair com seu Pajero TR4. Nervosa, a motorista reclamou bastante com o guarda, que replicou aos militantes. Em menos de 10 minutos, ela saiu com seu carro de bancos de couro que custa, em média, R$75 mil. Na traseira, a frase “the car, the legend”, que significa “o carro, a lenda”. Com o valor do automóvel, os 150 secundaristas de Niterói pagariam 90 vezes a passagem de R$ 2,75 do ônibus intermunicipal, contando ida e volta.

O encerramento do ato Que os ricos paguem a Crise Econômica! ficou para as escadarias do Palácio Tiradentes, que sedia a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). As manifestações públicas que compuseram a Semana Antiimperialista contaram com a organização de diversas entidades e grupos políticos.

Entre eles: MST/ Via Campesina, Central de Movimentos Populares, Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), Assembléia Popular, Comitê Popular de Mulheres, CAMTRA, Movimento Direito Para Quem?, PSOL, Conlutas, Intersindical, PSTU, SEPE- RJ, DCEs da UERJ, UFF e UFRJ,Grêmios do Pedro II, Intersindical, MTST, Liberdade Lilás, PCB, Agroecologia e Luta Contra o Deserto Verde, Sindipetro-RJ, Marcha Mundial das Mulheres, Comissão Pastoral da Terra, Rede Jubileu Sul, entre outros.(*) Repórter da Agência Petroleira de Notícias.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Usina de Itaipu perde na Justiça - Guaranis permanecem nas terras

Usina de Itaipu perde na Justiça. Índios guarani permanecem nas terras

Fonte: Agência Petroleira de Notícias (www.apn.org.br),
com informações do CIMI



O Tribunal Regional Federal do Paraná rejeitou ação da Usina de Itaipu que pleiteava a posse de três aldeias Guarani no Paraná, garantindo a permanência dos índios em suas aldeias, independente na demarcação da terra. A Justiça Federal já havia decidido em favor dos indígenas em dezembro do ano passado, mas a usina recorreu, pedindo reintegração de posse.O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) comemorou a decisão da Justiça e lembrou que durante a construção de Itaipu, diversas terras indígenas foram alagadas, apesar do protesto dos povos.




www.apn.org.br

É permitida (e recomendável) a reprodução dessa matéria, desde que citada a fonte.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

FORA AS TROPAS BRASILEIRAS DA FRONTEIRA COM O PARAGUAI - SOLIDARIEDADE AOS CAMPONESES SEM TERRA

FORA AS TROPAS BRASILEIRAS DA FRONTEIRA

COM O PARAGUAI

SOLIDARIEDADE AOS CAMPONESES SEM TERRA

(Nota do PCB – Partido Comunista Brasileiro)

Tropas militares brasileiras ocuparam nos últimos dias toda a faixa da nossa fronteira com o Paraguai, inclusive a região onde fica a usina de Itaipu Binacional. Informalmente, o governo federal insinua que se trata de uma operação para combater o contrabando, competência constitucional da Polícia Federal e não das Forças Armadas. Na verdade, trata-se da "Operação Fronteira Sul – Presença e Dissuasão", apresentada como simples "exercícios militares".

Movimentos sociais paraguaios, entretanto, vêm denunciando que se trata de uma ameaça militar do governo brasileiro, exatamente no momento em que trabalhadores sem-terra vêm ocupando latifúndios transnacionais produtores de soja - de propriedade atribuída a brasileiros (os chamados "brasiguaios") - que se alastram a partir da fronteira, destruindo o meio ambiente e expulsando os camponeses pobres para as periferias das cidades.

Essas terras - das quais camponeses foram expulsos à força - foram irregularmente cedidas pela ditadura militar paraguaia de Strossner a seus partidários, que as transferiram a amigos da ditadura militar brasileira, nos anos 70, quando foi firmado, sem qualquer transparência, o acordo que criou a Binacional Itaipu.

O preocupante é que a operação militar de "dissuasão" se dá logo em seguida à discreta publicação do decreto nº 6.592, no último dia 2 deste mês. O decreto (assinado por Lula e Nelson Jobim, Ministro da Defesa), feito sob medida diante da ofensiva popular na América do Sul, afasta o Brasil de sua imagem pacifista, ao estabelecer parâmetros elásticos e subjetivos para definir a expressão "agressão estrangeira". Este decreto veio a propósito de uma pressão da direita militar brasileira, como se pode verificar no sítio www.defesanet.com.br, que exibe emblemática matéria sob o título "Exclusivo: Missão Paraguai" (*).

O PCB exige a imediata retirada das tropas brasileiras da fronteira com o Paraguai e conclama o Presidente Lula a se comportar à altura do momento histórico que vive a América Latina, em que os nossos povos resolveram dar um basta a atitudes imperialistas como esta e construir sociedades justas e solidárias.

Além de respeitar a soberania do Paraguai, deve o governo brasileiro renegociar o leonino acordo de Itaipu, no sentido de reparar os prejuízos que este causa ao povo paraguaio, e devolver imediatamente àquele país amigo seus Arquivos e Tesouros Nacionais, saqueados no século XIX por nossas tropas, após o vergonhoso genocídio que cometeram, em famigerada "tríplice aliança" com Argentina e Uruguai.

Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2008

PCB – Partido Comunista Brasileiro

Comissão Política Nacional

(*) veja no sítio a íntegra do decreto assinado por Lula, com comentários. Há também três artigos sobre os "perigos que vêm do Paraguai", a satanização do movimento sem-terra e várias outras provocações contra países e lideranças da América Latina.

Alguns comentários do sítio sobre o decreto:
"O recado passado aos vizinhos é claro e incisivo. Uma agressão ou perseguição aos cidadãos brasileiros residentes no Paraguai – brasiguaios – assim como na região do Pando, na Bolívia e, uma nova ameaça de corte no fornecimento de gás e a tomada de instalações e empresas brasileiras legalmente constituídas e operando em outros países, caracterizarão a partir de agora agressões externas, e uma resposta militar por parte do Brasil passa a ter amparo legal...
A partir de agora podemos afirmar que a surda guerra travada pelo Regime Bolivariano de cerco ao Brasil tem uma resposta legal e permite ao Brasil intervenção militar..."

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

ENTREVISTA: ERIC HOBSBAWM

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: "Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista".

Marcello Musto - Sin Permiso

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: "Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista".

Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do "longo século XIX": "A Era da Revolução: Europa 1789-1848" (1962); "A Era do Capital: 1848-1874" (1975); "A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro "A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro "Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later" (Os Manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois).

Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso.

Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do "marxismo-leninismo", não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: "O pensador do terceiro milênio?". Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de "relevância atual".

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título "Ein Gespenst Kehrt zurük" (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa "In Our Time" da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, "são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx" e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: "Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz". Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova "demanda de Marx", do ponto de vista político?

Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da "sociedade burguesa", cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados "novos movimentos sociais", como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o "proletariado", dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar- se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer "retorno a Marx" será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias "socialistas" foram organizadas sob o chamado "socialismo realmente existente". Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de "O Capital". Como mostram os "Grundrisse", aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalizaçã o seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.
Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os "Grundrisse". Escritos entre 1857 e 1858, os "Grundrisse" são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no "Capital", como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: "Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos "Grundrisse", menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev". Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os "Grundrisse" "trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na "Ideologia Alemã". Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos "Grundrisse" hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol) : Gabriel Vargas LozanoTradução para Carta Maior (espanhol-portuguê s): Marco Aurélio Weissheimer

terça-feira, 7 de outubro de 2008

As crises e as lutas

Muito do que Leon Trotsky escreveu pode ajudar a entender a complicada relação entre períodos de crescimento econômico, crises econômicas e luta de classes - John Rees.

Os pronunciamentos de George Bush feitos na TV mostram o quanto é seria a crise econômica atual. Mesmo para quem ainda não estava consciente disso.

Com a mesma habilidade que demonstra em política externa, o presidente disse em uma reunião privada para discutir o socorro aos bancos que "se não soltarmos o dinheiro, vai tudo pro vinagre".

Desemprego, despejos, inflação, salários em queda e cortes nos serviços públicos estão agora no horizonte visível de milhões de pessoas.

Para muitos, a necessidade de resistir é óbvia. Mas crises econômicas nem sempre levam a lutas de resistência. Algumas vezes, o medo fala mais alto que a raiva e a passividade vence a ação.

Se é assim, qual é a relação que existe entre crise econômica e luta de classes? Esta é uma questão que todos devem discutir nos movimentos sociais.

Alguns elementos que podem ajudar estão em alguns textos do revolucionário russo Leon Trotsky. Nos anos 1920 e 1930, Trotsky fez observações muito importantes sobre a relação entre crises e resistência.

Trotsky começa por rejeitar a associação grosseira entre crise econômica e crescimento da luta de classes.

Claro que crises econômicas podem fortalecer a resistência dos trabalhadores. Mas, nem sempre os trabalhadores reagem com luta quando são atingidos por uma recessão econômica. Algumas vezes, eles podem permanecer abatidos e sem consciência política. "Não há nenhuma relação automática entre crise econômica e movimentos revolucionários de trabalhadores", diz Trotsky.

Sob certas condições, o crescimento econômico pode até mesmo gerar mais lutas que uma recessão. Com um baixo nível de desemprego e alta confiança em seu poder de negociação com os patrões, os trabalhadores podem lutar para recuperar as perdas que tiveram em um período de crise econômica.

Sendo assim, a que fatores devemos ficar atentos para prever os prováveis efeitos de uma crise econômica na luta de classes?

Trotsky destacou duas grandes considerações que são vitais para qualquer análise desta relação. Primeiro, ele argumenta que temos que olhar para uma crise em seu contexto político maior. Temos que observar como o imperialismo, crises de governo, partidos políticos e, mais importante, a consciência e a combatividade da classe trabalhadora se relacionam com a crise econômica.

Podemos pensar na recessão como um raio da luz e as condições políticas com as quais ele se relaciona como um prisma. O mesmo raio da luz pode ser refletido de modos muito diferentes dependendo da espécie de prisma que ele atravessa.

Antes de tudo, vamos ver a relação entre as fases mais longas de desenvolvimento capitalista e as crises menores. Trotsky comparou a ascensão econômica do início dos anos 1920 com a ascensão analisada por Karl Marx e Frederick Engels no período posterior às revoluções de 1848 na Europa.

Nos anos 1850, a ascensão marcou o começo de um período prolongado de expansão capitalista – "uma época inteira da prosperidade capitalista que durou até 1873", diz Trotsky.

Mas, diz ele, o período que veio após a Revolução Russa e a 1ª Guerra Mundial foi de declínio econômico no qual "as expansões tiveram um caráter (…) superficial, enquanto as crises ficaram cada vez mais prolongadas e profundas".

O que Trotsky quer destacar é que "o movimento do desenvolvimento econômico é caracterizado por duas curvas de ordens diferentes". A primeira curva é básica e simboliza o crescimento geral das forças produtivas. Esta curva move-se para cima seguindo o desenvolvimento geral do capitalismo.

"Esta curva básica, contudo, aumenta para cima desigualmente. Há décadas em que ela cresce muito lentamente. Depois, seguem-se décadas em que a curva move-se repentinamente para cima (…). Em outras palavras, a história nos mostra que tanto há épocas de crescimento gradual, como há momentos de crescimento rápido das forças produtivas."

Trotsky argumentou que a esta primeira curva devemos "sobrepor" uma segunda curva, que mostra os ciclos de expansão e interrupções de crescimento econômico. Só assim podemos entender corretamente o provável impacto de uma crise econômica.

Seguindo essa metodologia, como devemos entender nosso próprio tempo?

Desde a Segunda Guerra Mundial, houve duas fases longas de desenvolvimento capitalista. Do fim da guerra ao início dos anos 1970, o capitalismo viveu seu mais longo período de expansão econômica estável. As crises foram superficiais e curtas, enquanto o crescimento econômico foi substancial e sustentado.

As taxas de lucro dos patrões puderam manter-se crescentes, ao mesmo tempo em que houve elevação do padrão de vida de trabalhadores. Mas, desde os anos 1970, as taxas de crescimento passaram a cair fortemente e as crises ficaram mais agudas. As taxas de lucro só puderam ser mantidas através de ataques à qualidade de vida dos trabalhadores.

Houve crises graves em 1973, início dos anos 1980, começo dos anos 1990, fim dos anos 1990, em 2001 e agora, em 2008. Portanto, a crise atual acontece depois de um período prolongado do crescimento econômico lento e gradual. De fato, durante o período de expansão que antecedeu a atual crise, o valor real dos salários nos Estados Unidos caiu durante quatro anos consecutivos.

Para muitos trabalhadores a sensação de prosperidade durante os anos de expansão foi baseada na elevação dos preços dos imóveis e no crédito fácil. Agora isto está desabando. E toda a fraqueza econômica do sistema está ficando exposta.

Além disso, desde o fim da Guerra Fria, em 1989, o enfraquecimento do sistema econômico teve como sua contraparte um sistema estatal global que ficou mais instável e propenso à guerra.

Provavelmente, a crise deve piorar os conflitos já que a maior parte da instabilidade é causada pelo fato de os Estados Unidos usarem seu poder militar esmagador para compensar a diminuição de seu peso econômico.

Agora vamos ver o segundo elemento do esquema de Trotsky: as condições políticas com que as crises se relacionam.

O fim da expansão do pós-guerra, em 1973, causou uma alteração por atacado na política. A era do crescimento da qualidade de vida e expansão do papel do estado de bem-estar chegou ao fim durante os anos 1970. Mas a verdadeira contra-ofensiva conservadora veio com a eleição de Margaret Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em 1980. O neoliberalismo substituiu o keynesianismo e os ataques aos direitos sociais e aos sindicatos ficaram mais ferozes.

Portanto, entramos na atual crise após 25 anos ou mais da experiência de privatização, desregulamentação econômica e políticas de anti-sindicais. Além de seus efeitos na consciência dos trabalhadores.

A atual crise pode ser a prova mais dramática que o sistema não funciona, mas não é a primeira nem a única. Os efeitos da crise podem causar uma profunda descrença em relação aos políticos e ao sistema político em geral, inclusive em relação a partidos reformistas que adotaram o neoliberalismo praticamente sem alterações.

Este sentimento já vinha crescendo fortemente desde o nascimento dos movimentos anticapitalistas, em 1999. A crescimento do movimento contra a guerra depois de 2001 o tornou ainda mais forte.

A mesma sensação se espalhou pelo movimento social em geral. Mas, este estado de espírito nem sempre leva a desdobramentos políticos à esquerda. Na Europa, por exemplo, partidos de extrema direita vêm aumentando sua votação nas últimas eleições. É preciso lembrar que as opiniões da classe trabalhadora ficam polarizadas em uma crise. De um lado, há o descontentamento com o sistema, mas, de outro, pode-se procurar culpados no bode expiatório mais próximo, como estrangeiros ou negros.

Cada crise implica uma corrida para ver quem pode canalizar a justa raiva das pessoas contra o sistema. De um lado, a direita, cujo objetivo maior acaba sendo manter e reforçar o sistema. Do outro, a esquerda, que precisa apresentar propostas claras e eficazes de luta.

Na medida em que a crise se agrava, aumenta a desilusão com o sistema econômico e político entre amplas camadas da classe trabalhadora. Os grandes movimentos contra a guerra já mobilizaram milhões e aprofundaram a descrença com o reformismo.

Devemos fazer todo o esforço para fortalecer o movimento e ampliar as possibilidades da resistência. Isto implica sermos claros em nossa discussão sobre a natureza do sistema capitalista e a necessidade de destruí-lo. E um compromisso igualmente claro com a luta dos trabalhadores na defesa contra os efeitos da crise.

Estamos vivendo um momento de grande perigo. Mas, também pode ser uma grande oportunidade para a luta socialista.



FONTE: Socialist WorkerSITE: http://www.socialistworker.co.uk/PUBLICAÇÃO: 01/10/2008