quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Eleição norte-americana: "We can change" / Amenizando a crise imperialista


O triunfo de Obama e a nova tentativa de amenizar a decadência do imperialismo norte-americano

Retirado de artigos da Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional

Por Simone Ishibashi - sábado 8 de novembro de 2008

A arrasadora vitória de Obama nas eleições norte-americanas tem sido definida como um fato histórico ao eleger o primeiro presidente negro dos EUA. O candidato democrata Barack Hussein Obama, superou os índices de votação previstos, com 354 votos dos colégios eleitorais, contra 126 do candidato John McCain, levando estados que historicamente votam no Partido Republicano, como é o caso da Flórida, a se pronunciar em seu favor, além de também ter ganho em estados industriais como Ohio, mostrando haver conseguido apoio também na classe operária sindicalizada. Obama contou ainda com a esperada votação da população negra, dentre os quais 95% se pronunciaram por ele, e da votação dos jovens e da comunidade hispânica, que se contagiou pelo seu discurso de “mudança”, muito embora não tenha concretizado o que serão as prometidas mudanças. Isso num pleito cuja participação bateu recordes, com cerca de 136 milhões de eleitores, tendo em vista que nos EUA a participação nas eleições não é obrigatória. Para alguns, esta seria a maior participação desde 1908, quanto houve participação de 65,7% e culminou na vitória de Willian Traft sobre Willian Jannings Bryan. Fato é que Obama já conquistou o resultado eleitoral mais alto desde a eleição de Lydon Johnson em 1964.

Para além dos números, e da apologia que tomou conta dos meios de comunicação e jornais burgueses mundo afora, o que está por trás da vitória arrasadora de Obama é o repúdio generalizado à política levada à frente nos últimos oito anos pelos neoconservadores comandados por Bush, e o anseio por mudança expressado em diversas camadas da população norte-americana. O desastre da guerra do Iraque, o aumento sem precedentes do anti-americanismo no mundo, e a crise econômica, hoje o fator mais importante de todos, motivaram este anseio dentre os setores populares, muitos dos quais compostos por negros e latinos. Mas não foi apenas graças a estes que Obama conseguiu a vitória. Sua candidatura foi angariando apoio em setores concentrados da burguesia imperialista, dentre os quais constavam figuras como o magnata Warren Buffet, que cedeu grandes somas à sua campanha, bancos como Merry Linch – um dos envolvidos na imensa crise econômica atual –, instituições financeiras e grandes apostadores de Wall Street, bancos suíços, Collin Powell, ex-secretário de Estado de Bush, Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central. E é para estes que seguramente Obama governará, e não para os americanos que a cada momento conhecem mais de perto a possibilidade de serem lançados em massa na pobreza, tal como ocorreu em 1929, como indicam os números de mais 240 mil postos de trabalho cortados no mês de outubro. É este cenário que faz com que muitos analistas, a despeito da comoção alimentada pela mídia burguesa, já adiantem que esta será uma das presidências de mais crise na história dos EUA.


Obama: forma e conteúdo

O grande efeito simbólico vindo do fato de que hoje um negro é presidente do país mais importante do mundo tem tido repercussão mundial. Assim, vimos o Quênia decretando feriado nacional, enquanto no Brasil diversos setores do movimento negro afirmam que a vitória de Obama seria um “passo a mais galgado” na luta contra o racismo. Sobretudo por se tratar de um país em que há poucas décadas o racismo era institucionalizado, negando direitos elementares aos negros, como os de votar, ocupar os mesmos espaços públicos que os brancos, além das imensas disparidades de condições de vida entre brancos e negros, com os últimos recebendo menos que a metade do salário que os brancos recebem para realizar o mesmo trabalho, o que gerou na década de 60 um movimento pela igualdade de direitos para os negros norte-americanos.

Entretanto, se por um lado o fato da população norte-americana, dentre os quais muitos foram às urnas pela primeira vez, ter se pronunciado em favor de um candidato negro ser um giro alimentado por aspirações legítimas distorcidas, e também contra a onda conservadora republicana, do ponto de vista da burguesia que o apoiou é uma mostra da imensa crise pela qual passa o imperialismo norte-americano, agudizada pelos anos Bush. É dessa forma, que frente à deslegitimidade e crescente crise que os EUA se vêem inseridos não só externamente como também no plano interno, antes por conta dos efeitos da guerra do Iraque e agora pela crise econômica que corroí a cada dia a esperança de realização do “sonho americano”, que a burguesia imperialista vê como funcional a eleição de Obama, justamente pelo simbolismo que este carrega, ao qual se alia o fato de que de conteúdo trata-se de um político afim aos setores mais altos do stablishment do Partido Democrata e de posições mais que moderadas. Isso fazia de Obama o melhor candidato para lidar com as possíveis contradições geradas pela crise econômica, com o descontentamento em torno dos preocupantes índices econômicos, e para reconstituir a localização dos EUA no mundo.

A política de Obama seguirá favorecendo a mesma burguesia branca e seus planos imperialistas, ainda que possa se caracterizar sob a forma de um discurso mais conciliador. Não à toa, Obama buscou se distanciar de seu pastor Jeremiah Wrigt quando este denunciava o caráter racista dos EUA, provando que ao contrário de chamar a população negra a lutar por seus direitos, buscará um caminho que privilegie a “moderação” no trato às imensas contradições sociais que cruzam o país, política funcional à classe dominante. No plano econômico isso se demonstra no fato de que frente ao imenso crescimento do desemprego, Obama apoiou o pacote desenhado pelo governo Bush de destinar 700 bilhões de dólares para salvar o sistema financeiro e os banqueiros, favorecendo os que lucraram bilhões nos últimos anos. Esta soma supera enormemente os 50 bilhões prometidos por ele em sus campanha para financiar um plano de obras públicas e incentivos à população na forma de bônus para os que estão ameaçados de perder suas casas frente ao estouro da bolha imobiliária. Seu discurso durante a campanha, que indicava medidas como o alívio fiscal para a classe média, torna-se de difícil realização na medida em que o mundo caminha para a recessão, e os EUA acumulam uma dívida pública de mais de 1 trilhão de dólares.

Neste sentido é que o jornal burguês The Washington Post, tradicional apoiador dos republicanos que desta vez se pronunciou pelo democrata, em um editorial no dia seguinte às eleições aconselhava Obama a “dizer muito rapidamente como irá concretizar as muitas promessas feitas na campanha, que agora deve se encerrar e dar lugar à realidade. E que para isso será necessário preparar o povo norte-americano para fazer sacrifícios, ter paciência e até mesmo se frustrar um pouco”. A preocupação do Post é altamente justificada. Se Obama foi favorecido enormemente pelo receio dos feitos da crise econômica, que fizeram com que a maioria da população norte-americana aspirasse a mais proteção social, manutenção dos empregos, assistência médica, e ajuda para a manutenção das moradias, etc, por outro lado a garantia da resolução da crise e assistência social estão longe de ser realidade. Assim, não se pode descartar que as grandes ilusões e expectativas geradas pelo primeiro presidente negro na história dos EUA se transformem em seu contrário: numa grande desilusão frente à não resolução das aspirações e demandas dos trabalhadores, negros e setores populares frente à crise econômica. Isso se soma ao fato de que mesmo com as imensas contradições e desastres abertos após os anos Bush, McCain teve cerca de 55 milhões de votos, o que mostra que a polarização social segue aberta, podendo se dinamizar ainda mais com o avanço da crise econômica sobre a classe média, e o discurso ultra-racista de alguns setores que seguem se organizando no interior dos EUA, desatando prováveis enfrentamentos frente à perspectiva de aumento do desemprego e das contradições sociais no país, lembrando ainda que os reacionários projetos anti-imigração, apoiados tanto pelo Partido Democrata como pelo Republicano seguem em prática.


Contradições no plano internacional

A vitória de Obama é um novo capítulo da tentativa da burguesia imperialista de amenizar os ritmos do processo de decadência histórica dos EUA. A primeira resposta tentada foi a política de impor pela força “um novo século norte-americano”, concretizada pelo governo Bush sobre a base do giro reacionário pós-11 de Setembro. Entretanto, esta tentativa de transformar o “momento unipolar” pós-derrocada da URSS em uma “situação unipolar” a partir do uso da força foi um fracasso em toda linha. Prova disso é a erosão relativa do poder norte-americano sobre o mundo, que mais recentemente se demonstrou com a crise gerada em torno do conflito entre a Rússia e Geórgia, no qual os EUA não conseguiram atuar em defesa de seu aliado georgiano, e muito menos conseguir atrair o apoio das demais potências imperialistas européias contra a Rússia.

Assim, Bush e os neoconservadores deixam como legado a guerra do Iraque, que muitos analistas avaliam que será lembrada como um erro muito maior que a guerra do Vietnã, e agora a maior crise econômica desde 1929. Se a fórmula dialética entre força e consenso na dominação imperialista definida por Perry Anderson mostrou nos últimos anos a predominância da força, agora frente à debilidade dos EUA que isso aprofundou parece que a burguesia imperialista aposta em aparecer como buscando mais consenso, ainda que neste caso não possamos ver em que medida isso se concretizará.

Soma-se a isso também a definição de que política terá em relação ao Irã, e à Israel já que sua declaração de estar disposto à negociar com o primeiro entra em contradição ao apoio incondicional ao enclave sionista no Oriente Médio. O novo presidente também já disse reiteradas vezes que pretende fortalecer a ocupação militar no Afeganistão e posicionar tropas na fronteira com o Paquistão, além de fortalecer o acordo político, estratégico e militar com o enclave imperialista no Oriente Médio, Israel, declarando em diversas ocasiões que “os inimigos de Israel são inimigos dos EUA”. Isso significa que a matança e opressão sistemática dos palestinos seguirá sendo financiada pelo governo norte-americano, além da manutenção de grande parte do imenso montante de dinheiro destinada às ofensivas militares dos EUA.

Frente a isso, setores minoritários mas interessantes não pronunciaram apoio a Obama, como Medea Benjamin, dirigente do grupo norte-americano feminista anti-guerra Code Pink, que afirma: “No início achei que estava sendo muito legal ter um candidato como Obama, que havia votado contra a Guerra do Iraque e estava mobilizando os jovens para participar da política. Mas ele se mostrou um candidato igual aos outros. Minhas desilusões começaram quando ele começou a mostrar um discurso militar muito mais forte. Hoje em dia já não acho que ele vai trazer os soldados de volta, que fará isso em um cronograma de 16 meses, como sempre disse. Ele fala do Afeganistão como guerra boa. O que é uma guerra boa? Ele defendia negociar com seus inimigos, mas agora é leve nessa questão”. (Folha de São Paulo, 04/11/2008). Outros setores poderão seguir a mesma trilha de desilusão com Obama no próximo período.

Esta tese se fortalece ainda mais conforme Obama anuncia os prováveis nomes para a composição de seu governo, que indicam que ao contrário da retórica de campanha, privilegiará a “velha política” do establishment norte-americano, não apenas com os já esperados conselheiros provenientes do governo Clinton, como John Podesta conhecido como Rhambo por sua maneira de fazer política, mas também com republicanos como que Robert Gates, cotado para fazer parte da equipe de defesa nacional de Obama, e que anteriormente foi diretor da CIA e Secretário de Defesa de ninguém menos que Bush. Assim, como coloca artigo da folhaonline inspirado no jornal norte-americano New York Times (8/11/2008): “A escolha destes nomes pode indicar que Obama, árduo crítico das políticas "falidas" de Bush, governará como ele na área de segurança nacional. Levanta dúvidas também se ele manterá uma das principais promessas de sua campanha, levar as tropas americanas no Iraque de volta para casa em até 16 meses. Outro legado de Bush a Obama será um novo acordo de permanência das tropas americanas no país, assinado diretamente com o governo iraquiano”.

Por outro lado, a apologética saudação dos principais governantes mundiais, como Sarkoy na Alemanha, Merkel na França, e dos meios de comunicação burgueses internacionais, como a mensagem de um renomado jornal alemão que estampou uma foto de Obama na capa sob os dizeres “Lidere o mundo rumo uma situação melhor”, mostra a contradição marcante de que frente à decadência histórica do imperialismo norte-americano, não há outra alternativa que se postule ao cargo de potência hegemônica. Entretanto é provável que esta saudação calorosa por parte dos governos imperialistas europeus dê lugar a maiores tensões no plano internacional, à medida em que a crise econômica avança, e se recrudesça a competição interestatal. Estamos diante um cenário de incertezas, cuja vitória de Obama não fecha por si mesma. A gravidade da crise econômica, que nas palavras de Alan Greespan é a “crise do século” anunciam terremotos que a retórica não pode solucionar, e demandas cada vez mais urgentes dos trabalhadores, negros e imigrantes de todo o mundo que só serão resolvidas no marco da ação independente destes mesmos setores. Apostemos nesta que é a única solução realista frente à crise atual.


As perspectivas após o triunfo de Obama (extraído do LVO 302. Por Claudia Cinatti)

(...) O grande desafio do governo de Obama pode provir do plano interno , frente à magnitude e pesada carga que implica a monumental crise econômica. Mais cedo que tarde as ilusões e expectativas dos trabalhadores, minorias de negros e latinos e os milhões que vêem sua subsistência ameaçada pela recessão, se chocariam com a realidade de que o governo de Obama não defenderá seus interesses, mas os das grandes corporações capitalistas.

A maioria dos setores “progressistas” que com mais ou menos entusiasmo chamou a votar em Obama, justificaram sua posição argumentando que seu governo será mais pressioável pelas lutas dos trabalhadores. Roosevelt nos anos 30, Kennedy nos 60 ou Obama em 2009 confirmaram mais de uma vez que para além da retórica “esquerdista” ou das políticas “populistas”, como o New Deal, o Partido Democrata junto com o Partido Republicano defende os interesses da burguesia imperialista. Basta recordar que na presidência de Kennedy os EUA invadiram Cuba, que o democrata Johnson incitou a guerra do Vietnã e que o próprio Roosevelt quando sua política de New Deal se demonstrou incapaz de revitalizar a economia norte-americana e se deu a crise de 1937, transformou o New Deal em “War Deal”, isto é, mudou o rumo econômico para os preparativos bélicos em 1938 para disputar a hegemonia mundial contra a Alemanha nazista e a Grã-Bretanha.

Foi esta “indústria de guerra” que efetivamente permitiu a recuperação da economia e aos EUA entrar na guerra e sair como única potência hegemômica em 1945, ainda que em nível mundial tenha compartilhado o domínio do mundo com a União Soviética. Dizemos isso ainda quando está por ver-se se Obama aplicará um giro significativo na política econômica nos marcos da defesa do regime burguês imperialista, Tampouco podemos descartar um giro claramente protecionista, como pode supor certa retórica eleitoreira do ex candidato e da composição majoritária democrata das duas câmaras do Congresso. Historicamente a estratégia do “mal menor” jogou a favor de que o Partido Democrata atue como contenção dos setores médios “progressistas” e das tendências à radicalização da vanguarda operária, como ocorreu no anos 30 com a cooptação por parte de Roosevelt do sindicalismo combativo da CIO ou a fins dos 60 com o movimento contra a guerra do Vietnã. Este tem sido um grande obstáculo para a independência política dos trabalhadores, que majoritariamente votam no Partido Democrata.

A profundidade da crise econômica e o novo período histórico que se abre provavelmente acelerem a experiência com o governo de Obama. As ilusões ou as expectativas frustradas podem se traduzir em luta de classes e na emergência de novos fenômenos políticos, como ocorreu nos anos 30 com o surgimento da CIO (primeiro Committee for Industrial Organization e a partir de 1937 Congress of Industrial Organization) que em poucos meses o CIO atraiu para suas fileiras milhares de trabalhadores empregados e desempregados, como os operários das automotrizes de Toledo em 1934 ou Teamster de Minneapólis. É certo que a história não volta a se repetir, mas também é certo que estamos em uma crise de uma magnitude histórica similar à que deu lugar aos processos mais agudos de radicalização da classe operária norte-americana. No próximo período está aberta a possibilidade de que a classe operária, que foi duramente golpeada desde a presidência Reagan, e que sofreu duras derrotas nos últimos 30 anos de ofensiva neoliberal, na qual sua representação sindical se reduziu a apenas 12% da força de trabalho recupere sua organização e que se abra a oportunidade para que os trabalhadores norte-americanos e as minorias oprimidas rompam com os partidos exploradores.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os direitos humanos, o esporte e a paz

Fidel Castro

Chamou-me a atenção que nenhuma de minhas amigas, as agências de informação, dissessem uma palavra no sábado sobre a grande avaliação que a Unesco fez sobre a educação em Cuba, que, apesar das ações dos Estados Unidos, ultrapassa os níveis atingidos pelos demais países da região, como se isso não tivesse nada a ver com o respeito aos direitos humanos.

Todas insistiam em qualificar a Reflexão como uma diatribe contra a Europa. Um despacho da agência chinesa Xinhua não o interpreta dessa forma. Transcreve os argumentos com fidelidade.


Utilizei os serviços da internet para analisar a palavra diatribe. Resposta: “Discussão ou escrito violento e injurioso contra pessoa ou coisa”.

Peço definição de injúria. Resposta: “Fato ou dito contra razão e justiça”.

Será que não foi calúnia a afirmação, milhões de vezes repetidas, que em Cuba se tortura e se violam os direitos humanos? Nunca torturamos ninguém, nem privamos alguém da vida por métodos extrajudiciais.

Se a Europa toma medidas diplomáticas contra Cuba alegando defender esses direitos, por que não adotam essas medidas contra os Estados Unidos pelo genocídio de Bush no Iraque e as milhares de pessoas presas sem julgamento e torturadas durante anos ali e em qualquer parte do mundo?


É curioso que um órgão da imprensa espanhola, que sem dúvida é diametral e abertamente oposto ao socialismo, menciona o reconhecimento da Unesco aos resultados do sistema educacional de Cuba, e inclui textualmente minha afirmação: “Nenhum país onde os direitos humanos sejam sistematicamente violados atingiria tão elevados níveis de conhecimentos”.

Enquanto escrevo esta Reflexão, às três da tarde, vejo pela televisão a partida de futebol entre Espanha e Itália. Estão zero a zero depois de uma hora de jogo. O Rei da Espanha contempla satisfeito o desafio. Não terminou ainda. São, sem dúvida, temíveis equipes.

Peço para sintonizar a televisão para ver a partida de futebol entre a equipe olímpica de Cuba e uma forte seleção das universidades dos Estados Unidos. Ontem pela noite, observei o choque entre as equipes olímpicas de boxe de Cuba e da França. Os atletas que representam esta são excelentes, como os boxeadores cubanos. Nosso público, bem instruído em questões esportivas, é imparcial, respeitoso e objetivo. Houve paz, hinos e bandeiras içadas, apesar do afã dos europeus e dos ianques para subornar e comprar atletas cubanos.


Agradeço a todos os mencionados por haverem fornecido matéria prima para esta Reflexão.

Talvez nos próximos dias dedique este tempo a outras atividades.

Tradução: Brasil de Fato

Fonte: http://alainet.org/active/24869&lang=es

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

TRIBUNAL POPULAR: O ESTADO BRASILEIRO NO BANCO DOS RÉUS


Por Eduardo Sá, da redação - Retirado do Fazendo media 06.11.2007

No dia 10 de dezembro de 2008 a Declaração Universal dos Direitos do Homem realizada pela ONU completa 60 anos. Também é em 2008 que o Brasil está comemorando os 120 anos da abolição formal da escravidão, os 20 anos da Constituição Federal e a maioridade do Estatuto da Criança e do Adolescente, fatores que compõem as palavras mortas da democracia instituída no país.

Devido à omissão e violação dos direitos fundamentais da grande maioria dos cidadãos brasileiros por parte do Estado, movimentos sociais, entidades e pessoas preocupadas com a conjuntura do país estão organizando o Tribunal Popular: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus.

O evento ocorrerá entre os dias 4 e 6 de dezembro em São Paulo, onde será simulado um Tribunal no qual o Estado será julgado pelas mortes de milhares de brasileiros nesses últimos anos e suas políticas implementadas em detrimento da população pobre.

Fatos como a chacina no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2007; as mortes em 2006 em São Paulo somadas às que ocorrem incessantemente, na maioria das vezes de jovens negros, serão denunciados. Também serão julgadas no Tribunal as desumanas condições no sistema carcerário na Bahia, estado onde também morrem por execuções sumárias centenas de jovens pobres e negros; e a criminalização dos movimentos sociais, sindicais, quilombolas, dentre outros.

Para um dos organizadores responsáveis pela comissão no Rio de Janeiro, Maurício Campos, da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, “o Tribunal surgiu como iniciativa de movimentos sociais que enfrentam no dia a dia o terror das violações sistemáticas aos direitos humanos das populações pobres da cidade e do campo, e dos seus movimentos organizados”.

“Chegamos à conclusão que não poderíamos deixar passar em branco diversas datas importantes desse ano, como os 20 anos da Constituição de 1988 e os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU. Queremos deixar claro que os direitos garantidos na Constituição e nas convenções internacionais que o Brasil assinou são violados todo dia pelo próprio Estado, ou seja, o próprio Estado se nega na prática como democrático e de direitos. Por isso é o próprio povo, principalmente a parte do povo mais pobre e mais espezinhada em seus direitos, que deve julgar o Estado e organizar-se para mudar essa realidade de desrespeito e opressão”, explica Maurício.

Mobilização começa com discussão sobre violência contra ocupações urbanas
Até a realização do tribunal haverá atividades de mobilização nas quais serão colocadas em pauta diversas questões relacionadas aos direitos humanos no Brasil. No dia 22 de outubro, na Faculdade de Direito da USP, houve o lançamento do evento com o debate “A violência do Estado Brasileiro contra os que lutam por moradia: movimentos sem-teto, comunidades despejadas e o povo da rua”.

Pelo menos mais dois debates estão programados até a data do evento. As atividades discutirão a criminalização de estudantes e do movimento estudantil e também a luta por direitos indígenas e ambientais, ambos em São Paulo. Nos dois outros estados eixos do evento, Rio de Janeiro e Bahia, estão em planejamento atividades, bem como a transmissão simultânea do Tribunal de São Paulo, nos dias 4, 5 e 6 de dezembro.

Até agora estão confirmados para as sessões do Tribunal personalidades como o presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) Plínio de Arruda Sampaio; os juristas Nilo Batista, João Tancredo, Hélio Bicudo e Aton Fon Filho; o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ); Wagner Santos, sobrevivente da chacina da candelária; a psicanalista Maria Rita Kehl; o filósofo Paulo Eduardo Arantes; o coordenador do fórum de ex-presos políticos Ivan Seixas; o músico Marcelo Yuka; a jornalista Maria Luisa Mendonça; o sindicalista Valdemar Rossi, dentre outros.


Para mais informações acesse o blog http://www.tribunalpopular2008.blogspot.com

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

As contradições; a crise financeira; o Estado; a esquerda; a direita - Daniel Bensaïd - entrevista

http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15359


ENTREVISTA - DANIEL BENSAÏD

“Passamos da fase dos slogans simpáticos dos fóruns sociais”

De passagem pelo Brasil, filósofo francês concede entrevista exclusiva à Carta Maior, na qual analisa a crise financeira, comenta as situações dos EUA e da Europa e aponta os desafios para a esquerda construir uma alternativa ao modelo atual.

Maurício Thuswohl
Data: 05/11/2008

RIO DE JANEIRO - No Brasil para uma série de palestras que acompanham o lançamento de um de seus livros - Os Irredutíveis, teoremas de resistência para o tempo presente (Ed. Boitempo) - o cientista político e filósofo francês Daniel Bensaïd, em entrevista exclusiva à Carta Maior, analisa a crise financeira global e seus possíveis desdobramentos. Durante a conversa, que aconteceu antes da palestra realizada segunda-feira (3) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Bensaïd apontou as contradições dos líderes europeus de direita que falam em um “novo acordo de Bretton Woods” e afirmou - ainda sem saber o resultado das eleições - que a liderança dos Estados Unidos sofre um declínio irreversível e que a hegemonia norte-americana só se sustenta atualmente graças ao poderio militar e político do país.

Renomado teórico trotskista, Bensaïd fez também duras críticas à social-democracia européia e apontou a falta de um projeto de esquerda na Europa. O francês afirma não conhecer muito bem a situação da América Latina, mas acredita que os governos de esquerda da região podem constituir uma alternativa local à crise. Ele afirma também que chegou a hora de dizer qual “outro mundo possível” realmente queremos. Leia abaixo a entrevista de Daniel Bensaïd, que dará palestras hoje (5) em Porto Alegre (Memorial Rio Grande do Sul, 19h), amanhã (6) em São Paulo (PUC, 19h) e no sábado (8) em Ouro Preto (Casa da Ópera, 9h30):


Carta MaiorQuais são suas impressões, em linhas gerais, sobre a atual crise financeira mundial? Estamos diante de uma crise terminal do sistema capitalista?

Daniel Bensaïd – O capitalismo não vai acabar sozinho. Esta é uma crise histórica, e não somente uma crise ordinária, como o capitalismo conheceu a cada dez ou quinze anos. Essa crise era também previsível, porque é impossível exigir_ como fazem os acionistas _ um retorno sobre seus investimentos da ordem de quinze por cento ao ano frente a um crescimento que em média, no caso dos países desenvolvidos, é de dois ou três por cento ao ano. Alguns dizem que a crise financeira pode chegar à economia real, o que é uma fórmula um pouco absurda porque as finanças fazem parte da economia, elas não são irreais, efetivamente. Por trás dessa crise financeira já havia uma crise de produção. Ao menos para os países europeus - eu não conheço as estatísticas sobre o Brasil - a divisão do valor agregado entre salário e trabalho se deslocou dez por cento em favor do capital, ou seja, do ganho do capital em detrimento do trabalho, o que provoca uma crise incontrolável. Para continuar a vender - porque se existe o produto é preciso vendê-lo - houve um aumento totalmente louco do crédito, e não somente do crédito hipotecário imobiliário nos Estados Unidos. Também aumentou o crédito ao consumo, o crédito às empresas, etc. A crise, desse ponto de vista, era previsível.

Por outro lado, ela não é simplesmente uma fatalidade, é o resultado de decisões políticas que se acumularam por vinte anos, porque a desregulamentação das bolsas, a livre circulação de capitais, o desenvolvimento dos ganhos do capital não fiscalizados, tudo isso foi precedido por uma série de medidas legislativas tomadas pelos diferentes parlamentos na Inglaterra, na França, na Alemanha, etc. No que concerne à Europa, isso foi sistematizado pelos diferentes tratados da União Européia, de Maastrich em 1992 até o Tratado de Lisboa no ano passado, que codificaram o livre mercado europeu. Portanto, essa era uma crise previsível e ela é muito grave porque é globalizada, esse é seu caráter inédito. Mas, por trás de tudo isso, eu creio que o capitalismo poderá se restabelecer, ele já resistiu a outras crises. O problema é saber a qual preço e quem vai pagar o preço, pois essa é, afinal de contas, uma crise mais profunda. No jargão marxista, podemos dizer que a lei do valor atualmente funciona muito mal. Hoje, não podemos medir pelo tempo do relógio um trabalho social muito complexo, que cada vez mais mobiliza conhecimento acumulado, como não podemos tampouco medir a crise ecológica pela flutuação das bolsas de valores.


CMA crise ambiental, com o problema do aquecimento global, torna a crise financeira ainda mais grave. Estamos vivendo uma crise da humanidade?

DB – Sim, e a crise ambiental não é um problema qualquer. Quando pensamos nas conseqüências, que virão durante séculos ou talvez milhares de anos, da estocagem de lixo nuclear, da destruição das florestas, da poluição dos oceanos e, agora, das mudanças climáticas, vemos que todos esses problemas não poderão ser controlados simplesmente pelos mecanismos do mercado que, por definição, são mecanismos que arbitram no curto prazo ou de maneira instantânea. Está no centro do que chamamos de organização social a prática de medir toda riqueza, toda relação social, e mesmo a relação da sociedade humana com a natureza, pelo único critério do tempo de trabalho abstrato.

CMOs países da Europa tomaram a dianteira contra a crise com medidas protecionistas e forte presença do Estado. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, afirmou que os países devem caminhar para um novo Bretton Woods. Como o senhor analisa a posição européia?


DB – Existe uma contradição em uma crise como esta. Como a globalização esta aí e é, em parte, irreversível, todo mundo hoje, e mesmo os antigos liberais fanáticos de outrora, pensa que é preciso estabelecer uma regulação e novas regras do jogo. Todo mundo fala de uma regulação em escala mundial, um novo Bretton Woods, ou ao menos em escala continental como, se pegarmos o exemplo da Europa, a criação do Fundo Soberano Europeu. Estas são as intenções. Ao mesmo tempo, dentro de uma crise grave como esta, cada um tenta jogar de forma solitária, e nós observamos desde o início da crise interesses diferentes como, por exemplo, na Alemanha e na Irlanda, que quiseram proteger seus próprios capitais e seus próprios bancos.


É cedo demais para dizer quem vai levar a melhor ou se haverá uma espécie de solidariedade entre capitalistas suficientemente forte para criar mecanismos de controle da crise e de solução para os nossos problemas. Ou ainda, ao contrário, se vamos assistir a um agravamento muito forte da concorrência intercapitalista, interimperialista ou entre os grandes blocos. Uma crise como a atual cria também tendências centrífugas muito fortes.

CMO senhor acredita que esta crise consolida o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica mundial?


DB – Do ponto de vista econômico, o declínio do império americano começou há muito tempo. Os EUA é o país mais endividado do mundo, que continua a desempenhar um papel hegemônico, em grande parte, por causa do seu poderio militar, que representa 60% dos armamentos e das despesas com armamentos em todo o mundo. E, atualmente, existe um efeito perverso, pois a dívida americana havia sido neutralizada pelo deslocamento de capitais dos países produtores de petróleo e da China aos EUA sob forma de Obrigações do Tesouro, ou seja, em dólares. Se esses capitais se retiram, eles fazem o dólar cair e os EUA perdem de todo jeito. Portanto, do ponto de vista econômico, existe uma espécie de mecanismo que deixa os EUA na condição de refém. Enquanto os EUA mantiver a hegemonia militar, o cenário atual poderá durar, mas a gente vê muito bem hoje, e via mesmo antes da crise, que o euro - ou mesmo o yen, mas, sobretudo o euro - pode se tornar a moeda de reserva no lugar do dólar, que ainda guarda seu papel de moeda de troca internacional muito mais por causa da potência política e militar estadunidense do que por causa da solidez da economia dos Estados Unidos. Por isso, eu creio que hoje o declínio dos EUA é irreversível.

CMQual sua avaliação sobre o posicionamento da esquerda frente à crise financeira? O senhor acredita que os governos de esquerda da América Latina podem ter papel importante na busca de soluções para a crise?


DB – Eu não conheço muito bem o contexto da América Latina. Eu não sei qual vai ser, por exemplo, a capacidade da Venezuela se o preço do petróleo continuar a cair, portanto é mesmo possível que os efeitos da crise sejam mais duros para paises como a Bolívia ou a Venezuela do que para o Brasil, que tem uma exportação mais diversificada. Eu penso que a crise se fará sentir também no Brasil, mas talvez menos forte. Agora, se a reação à crise vai começar a partir de um pólo bolivariano ou a partir da tentativa do Banco do Sul para se tornar autônomo em relação ao dólar, se vai ser criada uma solidariedade energética e alimentar entre os países da América Latina, se isso tudo vai avançar ou não, a questão está aqui e a resposta está aqui. Eu não tenho resposta.

CME na Europa, existe um projeto da esquerda?


DB – A social-democracia, que é a maior força de esquerda na Europa, vem destruindo metodicamente nos últimos vinte anos os mecanismos do Estado-providência e do Estado de Bem Estar Social.Atualmente, diante da brutalidade da crise, vemos dirigentes do Partido Socialista na França falarem novamente de nacionalização. O que fez Sarkozy não foi em hipótese alguma a nacionalização dos bancos. O que ele fez foi dar aos bancos a segurança do Estado sem nem mesmo solicitar o direito a voto nos conselhos de administração, foi meramente um socorro aos bancos.


Certas vozes de esquerda pedem o relançamento de uma política de aumento dos salários, mas isso exigiria uma política séria em escala européia, porque existe o desafio de fazer em nível europeu o contrário do que fizeram os partidos socialistas nos governos nacionais nos últimos vinte anos, ou seja, reconstruir os serviços públicos europeus, harmonizar a fiscalização européia, desenvolver uma fiscalização fortemente progressiva e retomar o poder de compra. Isso significa destruir todos os tratados sobre os quais foi construída a União Européia desde 1992. Eu não acredito que exista nem a vontade política de fazer isso nem a força social para fazer. Por uma razão, pois, através do processo que atravessou, a social-democracia européia perdeu muito do seu apoio popular. Por outro lado, ela se integrou muito fortemente ao topo, às empresas privadas e às finanças globalizadas. O símbolo disso é a presença de dois social-democratas franceses como homens de confiança do capital à frente da OMC (Dominique Strauss-Khan) e do FMI (Pascal Lamy). Isso resume um pouco a situação.


CMO economista François Chesnais afirma que esta crise é a primeira etapa de um processo muito longo e que não sabemos como ele vai acabar. O senhor sempre foi um crítico contumaz tanto do capitalismo e da globalização financeira quanto dos regimes socialistas constituídos sob a ótica stalinista. O senhor acredita que a humanidade está preparada para construir uma terceira via?


DB – A terceira via não passa nem pela gestão estatal e burocrática que faliu nos países do Leste da Europa, notadamente na União Soviética, nem pelo liberalismo. Muita gente diz hoje em dia que a crise não foi causada pelo capitalismo em si, mas pelos excessos e abusos cometidos. Não, a crise foi causada fundamentalmente pela própria lógica do capitalismo. Eu acredito que passamos da fase dos slogans simpáticos dos fóruns sociais. Se um outro mundo é possível, chegou a hora de dizer qual. Nós saímos de um século que terminou, sob o meu ponto de vista, com uma derrota histórica das esperanças de emancipação. Nós entramos no século XXI com muito menos ilusão do que nossos ancestrais entraram no século XX, sobretudo os socialistas, que acreditavam no fim das guerras e da exploração.


O problema atual é que estamos no início de uma longa reconstrução, mas, ao mesmo tempo, numa corrida contra o relógio, mais do que nunca, pois vivemos uma crise de destruição não somente social, mas também ecológica. Para mim, há somente uma alternativa: opor à concorrência e à lógica do todos contra todos uma lógica do bem comum, dos serviços públicos e da solidariedade. Podemos chamar isso de socialismo, comunismo ou democracia autogestionária. É preciso tentar. Se nós não tentarmos mudar o mundo, ele vai nos esmagar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O abalo dos muros - Frei Betto - in: Outro Brasil - LPP

O abalo dos muros

Frei Betto


Em 2009 faz 20 anos da queda do Muro de Berlim, símbolo da bipolaridade do mundo dividido em dois sistemas: capitalista e socialista. Agora assistimos ao declínio de Wall Street (Rua do Muro), na qual se concentram as sedes dos maiores bancos e instituições financeiras.

O muro que dá nome à rua de Nova York foi erguido pelos holandeses em 1652 e derrubado pelos ingleses em 1699. New Amsterdam deu lugar a New York.

O apocalipse ideológico no Leste europeu, jamais previsto por qualquer analista, fortaleceu a idéia de que fora do capitalismo não há salvação. Agora, a crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panacéia para o bom andamento da economia.

Ainda não é o fim do capitalismo, mas talvez seja a agonia do caráter neoliberal que hipertrofiou o sistema financeiro. Acumular fortunas tornou-se mais importante que produzir bens e serviços. A bolha especulativa inflou e, súbito, estourou.

Repete-se, contudo, a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos. Desmorona a cantilena do “menos Estado e mais iniciativa privada”. Na hora da crise, apela-se ao Estado como bóia de salvamento na forma de US$ 700 bilhões (5% do PIB dos EUA ou o custo de todo o petróleo consumido em um ano naquele país) a serem injetados para anabolizar o sistema financeiro.

O programa Bolsa Fartura de Bush reúne quantia suficiente para erradicar a fome no mundo. Mas quem se preocupa com os pobres? Devido ao aumento dos preços dos alimentos, nos últimos dozes meses o número de famintos crônicos subiu de 854 milhões para 950 milhões, segundo Jacques Diouf, diretor-geral da FAO.

Quem pagará a fatura do Proer usamericano? A resposta é óbvia: o contribuinte. Prevê-se o desemprego imediato de 11 milhões de pessoas vinculadas ao mercado de capitais e à construção civil. Os fundos de pensão, descapitalizados, não terão como honrar os direitos de milhões de aposentados, sobretudo de quem investiu em previdência privada.

A restrição do crédito tende a inibir a produção e o consumo. Os bancos de investimentos põem as barbas de molho. Os impostos sofrerão aumentos. O mercado ficará sob regime de liberdade vigiada: vale agora o modelo chinês de controle político da economia, e não mais o controle da política pela economia, como ocorre no neoliberalismo.

Em 1967, J.K. Galbraith chamava a atenção para a crise do caráter industrial do capitalismo. Nomes como Ford, Rockefeller, Carnegie ou Guggenheim, exemplos de empreendedores, desapareciam do cenário econômico para dar lugar à ampla rede de acionistas anônimos. O valor da empresa deslocava-se do parque industrial para a Bolsa de Valores.

Na década seguinte, Daniel Bell alertaria para a íntima associação entre informação e especulação, e apontaria as contradições culturais do capitalismo: o ascetismo (= acumulação) em choque com o estímulo consumista; os valores da modernidade destronados pelo caráter iconoclasta das inovações científicas e tecnológicas; lei e ética em antagonismo quanto mais o mercado se arvora em árbitro das relações econômicas e sociais.

Se a queda do Muro de Berlim trouxe ao Leste europeu mais liberdade e menos justiça, introduzindo desigualdades gritantes, o abalo de Wall Street obriga o capitalismo a se repensar. O cassino global torna o mundo mais feliz? Óbvio que não. O fracasso do socialismo real significa vitória do capitalismo virtual (real para apenas 1/3 da humanidade)? Também não.

Não se mede o fracasso do capitalismo por suas crises financeiras, e sim pela exclusão - de acesso a bens essenciais de consumo e direitos de cidadania, como alimentação, saúde e educação -, de 2/3 da humanidade. São 4 bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem entre a miséria e a pobreza, com renda diária inferior a US$ 3.

á, sim, que buscar, com urgência, um outro mundo possível, economicamente justo, politicamente democrático e ecologicamente sustentável.

- Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.


Fonte: http://alainet.org/active/26757=ES


http://www.lpp-uerj.net/outrobrasil/exibir_artigos_entrevistas.asp?Id_sub_artigo=339&Id_artigo=2

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Taxa de juros e ideologia do Cassino financeiro

17/10/2008 - Ceci Juruá

Taxa de juros e ideologia do Cassino financeiro

Ceci Juruá


As altas finanças globalizadas aliam ao poder do dinheiro o chamado soft power, isto é uma ideologia que justifica suas práticas, lícitas ou não, e que se espalha por universidades, empresas de consultoria e imprensa falada e escrita. Na retaguarda desta ideologia, o mundo dos negócios funciona distribuindo contratos e títulos honoríficos, e posando de mecenas da educação e cultura. Se necessário, outros meios podem ser acionados como aqueles de que nos fala J. Perkins em Confissões de um Assassino Econômico, ou F. Sounders em Quem paga a conta ?,


Por esses túneis sombrios e canais bem irrigados, disseminam-se algumas inverdades, particularmente no que diz respeito ao uso da taxa de juros para fins de política econômica. No Brasil, a tese preferida dos Chicago?s boys é que os juros devem ser aumentados sempre que houver ameaças inflacionárias à vista. Mas de qual juros eles falam :


-daqueles que remuneram nossa poupança, de 0,5% ao mes ?

-do cartão de crédito que cobra mensalmente 10% ou mais ?

-do empréstimo consignado, 2% mensais e 30% anuais?

-do crédito bancário às empresas, em torno de 50% ao ano ?

-do financiamento de automóveis, 35 % anuais ?


Veja, caro leitor, que não há uma única taxa de juros no sistema econômico. Há uma multiplicidade delas, em todos os países. Quando os manuais de Economia afirmam que a taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, porque « quanto maior for a taxa de juros, menor será a demanda de moeda », eles estão se referindo, certamente, à taxa média vigente na economia. Como em todos os modelos, os conceitos são abstratos e não podem ser aplicados dogmaticamente.


O pessoal da engenharia financeira não sabe disso, creio eu. E fica insistindo que é melhor aumentar os juros ? aqueles que incidem sobre a dívida do governo - para prevenir inflação. Essa saída é muito fácil, porque assim a conta recai sobre os trabalhadores. Nós pagamos impostos ao governo para que o governo pague juros aos banqueiros. Mesmo assim a conta não fecha. Em agosto, depois de transferir uma montanha de juros aos bancos, a dívida do governo aumentou R$ 18,8 bilhões! Dezoito bilhões a mais de dívida pública em um único mês ! Em setembro será pior, pois o Banco Central já aumentou a SELIC.


Mas aquilo que se cobra sobre a dívida do governo, a taxa SELIC, será este o melhor instrumento para prevenir a inflação ? Penso que não.


Na verdade as taxas de juros que auxiliam no combate à inflação são as que incidem sobre os gastos dos consumidores e as que recaem sobre investimentos das empresas, por duas razões. Primeiro, as pessoas fazem menos empréstimos e compram menos a crédito quando os juros aumentam. Segundo, as empresas investem menos quando os juros minguam os lucros. Esses dois tipos de taxa é que funcionam como repressores da demanda e como instrumentos de combate à inflação. No Brasil, eles já são abusivamente elevados e por isto tornam-se ineficazes na luta anti-inflacionária. Para reprimir demanda é preciso conter o crédito, como acaba de anunciar o Ministro da Fazenda.


Além do mais, ainda se pode acreditar que a taxa SELIC «divulgada pelo Comitê de Política Monetária (COPOM). tem vital importância na economia, pois as taxas de juros cobradas pelo mercado são balizadas pela mesma » ?. Sinceramente não creio nisso. A SELIC é calculada com base no custo médio das operações lastreadas em títulos públicos federais e só se aplica aos títulos do governo, beneficiando tão somente os rentistas da dívida pública. Assim, a SELIC provoca e amplia o déficit público e, nesse sentido, pode ter efeitos inflacionários de alto risco !


A SELIC abusiva tem outros efeitos, perniciosos ao cidadão, funcionais ao capital. Quando o dinheiro dos impostos é direcionado aos bancos, o governo fica sem recursos para aplicar em gastos sociais, saúde e educação por exemplo. Qual a saída ? Privatizar, respondem os Chicago?s boys. Eis o que eles procuram com os aumentos sucessivos da SELIC: deixar o governo à mingua para justificar mais privatizações e lucros bilionários para o pessoal do Cassino Capitalista, no melhor estilo do american way of life !

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*Ceci Juruá é economista, membro do projeto Outro Brasil/LPP-UERJ, doutoranda do Programa PPFH, ex-professora da Universidade do Brasil e da Universidade Católica de Brasília. Foi Conselheira por dois triênios do CORECON-RJ e diretora do Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro


http://www.lpp-uerj.net/outrobrasil/exibir_artigos_entrevistas.asp?Id_sub_artigo=342&Id_artigo=1