quinta-feira, 31 de julho de 2008

Dirigente sindical vem ao Brasil reivindicar retirada das tropas do Haiti

Dirigente sindical vem ao Brasil reivindicar retirada das tropas do Haiti

Fonte: Agência Petroleira de Notícias (http://www.apn.org.br/)


Em visita ao Brasil, o dirigente da central sindical Bataille Ovrière, Didier Dominique, denuncia desrespeito aos direitos humanos, praticados pelas tropas da ONU, e articula apoios pela retirada da chamada "força de paz" do território haitiano. Acompanhado de dirigentes da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), Dominique entregou um dossiê, com graves relatos, à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio. Em Brasília, buscará apoios junto ao parlamento para que a missão da ONU, liderada pelo Brasil, não seja renovada. O prazo de permanência das tropas internacionais no Haiti se esgota em outubro.
Dominique diz que, há quatro anos, o povo do Haiti ainda se iludia, acreditando que a presença das tropas da ONU, em especial do Brasil, poderia trazer benefícios. Segundo afirma, hoje está claro que a ocupação militar do Haiti, além de aviltar a soberania daquela nação, é um ato de solidariedade aos interesses das multinacionais, sobretudo do setor têxtil. Ele conclui que os militares não estão lá para proteger a população:
"O filho do vice-presidente José Alencar, que é empresário do setor têxtil, esteve no Haiti. Várias marcas, como Levis, Nike, estão disputando a instalação de fábricas numa zona franca, para aproveitar a mão-de-obra mais barata das Américas. Um operário haitiano custa, em média um dólar e setenta e cinco centavos por dia. Penso que a situação de miséria extrema a que o nosso povo está sendo submetido é proposital, para favorecer os interesses das empresas, forçando o trabalhador a aceitar qualquer pagamento" – avalia Dominique.
Arquiteto e professor universitário, Dominique considera que a intervenção no Haiti passará a história como uma mancha na biografia de governantes que se elegeram com o apoio de movimentos populares, como o presidente Lula. No dossiê que entregou à OAB existem relatos de abuso sexual de mulheres e meninas por soldados brasileiros, repressão a movimentos sociais, com registro de feridos e mortos:
"Numa das últimas manifestações, quando o povo se rebelou contra a fome, morreram sete pessoas e várias ficaram feridas, em decorrência da repressão militar. Temos tudo documentado, com as circunstâncias e os nomes das vítimas" – contou Dominique ao conselheiro da OAB e secretário da Comissão de Direitos Humanos, Carlos Augusto Coimbra de Mello. O advogado se comprometeu a fazer um relatório que encaminhará à Brasília, sugerindo uma ação junto ao Senado.
Dominique já manteve contato com o senador Eduardo Suplicy, onde encontrou alguma receptividade, embora com outras lideranças do PT, partido do presidente da República, os contatos tenham dado poucos resultados práticos: "Já me reuni até com representantes do Ministério das Relações Exteriores. Ouvi promessas, mas não houve desdobramentos" – afirma.
O dirigente sindical guiou uma delegação de sindicalistas e ativistas de movimentos de esquerda brasileiros numa visita ao Haiti. Um deles, o advogado Aderson Bussinger, da Conlutas, conta o que viu:
"A miséria é extrema. Não há luz, a água é escassa, falta comida, não há coleta de lixo. E não vi uma única escola, um único posto de saúde, que tenha sido construído pela missão da ONU. É apenas uma missão militarizada. Afinal, que tipo de solidariedade é essa?"

"São 200 anos de opressão"
O Haiti foi o segundo país das Américas a proclamar a independência, em 1804, e o único na história da humanidade e realizar uma revolução de escravos vitoriosa. Do território haitiano saíram revolucionários como Bolívar e José Marti para libertar os países latino-americanos do jugo espanhol.
Mas o Haiti saiu destroçado da guerra pela independência. Por pressão dos Estados Unidos, que era escravista, não foi reconhecido como nação livre, em 1825, no primeiro encontro realizado entre os novos países americanos. Até o final da guerra de secessão norte-americana, em 1864, foram 60 anos de boicote econômico.
Ao longo de 200 anos, a incipiente economia haitiana foi sempre massacrada por interesses do capital externo. A história registra a intervenção de ingleses, alemães, estadunidenses. Tudo isso resultando numa enorme instabilidade social e inúmeros golpes de estado.
O povo segue em busca de soberania e paz social, mas – afirma Dominique – "não é a paz de cemitério, paz de matança, proporcionada pelas tropas intervencionistas da ONU e, infelizmente, lideradas pelo Brasil, o país mais admirado no Haiti, sobretudo por seu futebol. Temos laços culturais, mas não estamos de acordo com a ocupação que nos mata".
É permitida (e recomendável) a reprodução desta matéria, desde que citada a fonte.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

QUATRO MUROS PARA FECHÁ-LOS DE VEZ

Divulgando email que recebi.
O Estado Soberano fez o povo - que ali morava, que ali comia, que ali dormia -definhar, com sangue palestino derramado. E conclui: " - É Palestino, não é judeu."

Abraço comunista!


QUATRO MUROS PARA FECHÁ-LOS DE VEZ.
Julien Salingue / Rebelión 21/07/2008.

Esta é a última matéria que vou divulgar antes da minha partida. Não vou tentar, seria impossível, fazer um resumo das 11 semanas passadas nos territórios palestinos. No lugar disso tratarei de apresentar uma síntese do que considero serem os quatro componentes essenciais da opressão israelense. O mundo inteiro sabe que, desde 2002, Israel está construindo um muro gigantesco na Cisjordânia. O que raramente se observa é que esta enorme parede de concreto não é a única que tem sido erguida pelo Estado de Israel, ainda que isso seja o que tem de mais visível. De fato, atualmente, os palestinos se chocam com quatro muros que os impedem de levar uma vida digna e conseguir seus direitos nacionais: um muro de ferro, um muro de arame, um muro de cristal e um muro de concreto.

O muro de ferro: o exército israelense.

"Deixando de lado os que são praticamente 'cegos' desde a infância, todos os sionistas moderados têm entendido há muito tempo que não há a menor esperança de obter o consentimento dos árabes da terra de Israel para que a 'Palestina' se torne um país de maioria judaica (...). A colonização sionista, inclusive a mais limitada, deve completar-se, ou seja, deve ser realizada ignorando a vontade da população autóctone. Portanto, dita colonização só pode continuar e se desenvolver sob a proteção de uma força independente da população local: um muro de ferro que a população autóctone não possa atravessar".

As linhas acima foram escritas 20 anos atrás por Vladimir Jabotinsky [em Le Mur de Fer, Nous et les Arabes'], líder da corrente "revisionista sionista" da qual surgiu o Likud e, entre outros, os Primeiros Ministros Begin, Shamir e Sharon. Ditas linhas descrevem a doutrina do "muro de ferro": na medida em que os árabes da Palestina vierem a se opor à construção e à criação de um estado judaico num território no qual são amplamente majoritários, o movimento sionista deve dotar-se de um exército poderoso, apoiado pelos países imperialistas, que favorecerá a colonização e que, quando chegar o momento, permitirá aos judeus impor um fato consumado à população autóctone.

Apesar da posição minoritária da corrente revisionista no movimento sionista (dominado pelos trabalhistas de Bem Gurion), a doutrina do muro de ferro tem muitos imitadores e, na realidade, foi um dos fatores que levou à criação de várias milícias judaicas armadas; as mais famosas foram a Haganah (criada em 1920), O Irgun (1931) e o grupo Stern (1940). Essas milícias aterrorizaram os habitantes árabes e foram responsáveis pela saída forçada de 800.000 pessoas durante os anos de 1947-49. Foi o grupo Stern, dirigido por Menahem Begin, a perpetrar o massacre de Deir Yassin, em abril de 1948. Depois da declaração de independência de Israel, a Haganah constituiu a coluna vertebral do exército israelense, o Tsahal, que absorveu rapidamente as demais milícias.

Desde as origens do Estado de Israel, a componente militar tem desempenhado um papel-chave para levar adiante a limpeza étnica indispensável para a instalação do estado judaico sobre um território majoritariamente povoado por não-judeus. Atualmente, o muro de ferro, o exército, continua sendo um dos pilares fundamentais da política israelense. A lista de generais que viraram Ministros ou Primeiros Ministros é longa demais para ser citada aqui, mas inclui, por exemplo, os generais Allon, Dayan, Rabin, Sharon, Barak, Ben Eliezer, Zeevi o Mofaz... No parlamente atual, os generais representam 10% dos eleitos. Quando os generais passam à vida política não deixam de ser militares e este direito dirige suas decisões e grandes orientações políticas, como foi amplamente demonstrado pela saudosa Tanya Reinhardt [em: 'Détruire la Palestine, ou comment terminer la guerre de 48', Ed. La Fabrique, Paris, 2002].

Além disso, "Israel é o único país democrático no qual o chefe do exército participa de todas as reuniões de governo" [Uri Avnery, 'The Army has a State']. E, além do mais, "os generais têm uma arma que nenhum político pode dar-se ao luxo de ignorar: o controle absoluto dos meios de comunicação. Quase todos os 'correspondentes' e 'comentaristas' militares são obedientes servidores do chefe do exército e publicam as instruções do chefe do Estado Maior e de seus generais como se fossem suas próprias opiniões. [idem]. Esse poder dos generais sobre os meios de comunicação permite manter um clima de medo permanente numa sociedade impregnada de contradições nas na qual o temor de uma agressão estrangeira e a unidade nacional, por trás das operações militares, são seus cimentos. Portanto, legitima-se assim um orçamento militar faraônico: os gastos militares por habitante em Israel são 15 vezes maiores do que nos Estados Unidos. O exército israelense é um dos mais importantes do mundo e, disparado, a primeira força militar da região e a única potência nuclear do Oriente Próximo".

O muro de ferro que Jabotinsky queria, entendido como um poderoso exército que desempenha um papel fundamental do projeto sionista apoiado pelos países imperialistas, existe, portanto, claramente. Atualmente, se encarna na ocupação militar da Cisjordânia e no assédio a Gaza. Os palestinos dos territórios ocupados são testemunhas e vítimas diretas das decisões que guiam a política repressora das autoridades de ocupação desde os anos 60. Seus enfrentamentos cotidianos com o exército nos postos de controle, as prisões em massa ou os milhares de processos judiciais militares são a trágica demonstração desta primeira dimensão da ocupação israelense: a imposição, pela força, dos fatos consumados do sionismo.
A tarefa entregue ao muro de ferro definido por Jabotinsky há 85 anos, é mais atual do que nunca: "Afirmamos que o sionismo é ético e justo. E como é ético e justo, tem que se fazer justiça independentemente de que José, Simão, Ivan ou Ahmed concordem ou não" [Vladimir Jabotinsky, obra citada].

O muro de arame: os campos de refugiados.

"A terra de Israel é habitada pelos árabes (...) Devemos nos preparar para expulsá-los do país pela força das armas, como fizeram nossos pais com as tribos que aí viviam; do contrário, nos depararemos com um problema representado pela presença de uma população estrangeira numerosa, de maioria muçulmana, acostumada a desprezar-nos há gerações. Atualmente, não passamos de 12% do conjunto da população e possuímos somente 2% da terra". [Israel Zengwill, citado por Mahmoud Muharib en su artículo 'Sionisme : transfert et apartheid'].

Isso é o que declarava, no final do século XIX, Israel Zengwill, um dos primeiro colaboradores de Theodor Herzl, considerado o "pai fundador" do sionismo. Contrariando o que foi divulgado pelo movimento sionista, a Palestina não era "uma terra sem povo". Os sionistas tinham consciência desse fato e por isso, planejaram, desde o início, a expulsão dos autóctones para permitir a construção de um Estado judaico.

O plano de divisão de 1947 destinava ao Estado judaico pouco mais do que 55% da Palestina. O objetivo declarado dos dirigentes sionistas é conquistar a Palestina inteira: "A aceitação da divisão não nos compromete a renunciar à Cisjordânia. Não se pode pedir a ninguém que renuncie ao seu sonho. Aceitaremos um Estado nas fronteiras hoje fixadas, mas as fronteiras das aspirações sionistas são assunto dos judeus e nenhum fator externo poderá limitá-las" (David Bem Gurion). [Citado por Simha Flapan, The Birth of Israel : Myth and Realities, Pantheon Books, Nueva York, 1987].

Mas os judeus representavam só um terço da população. Portanto, a limpeza étnica era inevitável.Os trabalhos dos historiadores palestinos, além daqueles dois novos historiadores israelenses, sobretudo Ilan Pappe e Benny Morris, chegaram à conclusão de que cerca de 800.000 palestinos foram expulsos de suas terras durante a grande expulsão de 1947-49, a "Nakba". Por outro lado, têm demonstrado que esta expulsão não foi um efeito colateral da guerra árabe-israelense de 1948, mas sim o resultado de um plano preciso, o "plano Daleth, cujo objetivo era limpar a terra palestina da maior parte possível de seus habitantes árabes. Assim, mais da metade das 800.000 expulsões ocorreram antes do início da guerra, o que invalida a tese comumente divulgada de que os moradores dos vilarejos fugiam dos combates entre os exércitos árabes e o exército israelense.

Todos os refugiados fugiram pelas ameaças diretas das milícias judaicas ou alguns abandonaram suas terras por medo dos massacres? Os que discutem a tese da expulsão fazem desta questão um tema fundamental e se referem constantemente aos inencontráveis registros radiofônicos que demonstrariam que os regimes árabes chamaram os palestinos a fugir de suas terras. Além do fato de que os trabalhos históricos mais recentes têm amplamente demonstrado o caráter programado e sistemático das expulsões, este "debate" não passa de um malabarismo para desviar a atenção de uma verdade histórica que ninguém pode negar: quaisquer que fossem as motivações que levaram cada um dos refugiados a fugir, nenhum deles jamais pôde voltar a suas terras.

O mesmo ocorreu com outras centenas de milhares de palestinos que foram engrossando o contingente de refugiados, em outras ondas de expulsão, sobretudo em junho de 1967. Atualmente, de acordo com os números oficiais da ONU, existem mais de 4 milhões e meio de refugiados palestinos. Há 59 campos de refugiados, alguns ainda cercados de arame, em Gaza (8 campos), Cisjordânia (19), Jordânia (10), Síria (10) e Líbano (12). A este número podem se acrescentar os refugiados não registrados pela UNRWA [Agência da ONU para os Refugiados]. De acordo com a Central Palestina de Estatística, atualmente, os refugiados palestinos espalhados pelo mundo são cerca de 7 milhões, sobre uma população total de pouco mais de 10 milhões.

Portanto, mais de dois terços dos palestinos são refugiados a quem Israel nega o direito de voltar às suas terras. Como disse Hussam Khadr, membro de Fatah no campo de Balata, ex-deputado, e atualmente preso: "a causa palestina é a causa dos refugiados". Isso autoriza qualquer observador minimamente sério da questão palestina a dizer que qualquer "regulação" atola nas reivindicações do reconhecimento da expulsão e o direito ao retorno transforma-se assim am algo descabido e/ou inadmissível. O muro de arame que encerra 70% do povo palestino nos campos de refugiados e no status de refugiados permanentes é o segundo dispositivo inabalável da opressão fabricada por Israel.

O muro de cristal: o estatuto dos palestinos de 1948.

"Aí estão os cidadãos árabes do Estado de Israel. Essa é nossa principal preocupação. Que não acaba em Gaza. Que não acaba em Judéia ou Samaria (Cisjordânia) . Temos que enfrentar nossa principal preocupação" (Gideon Ezra, atual ministro israelense do Meio-Ambiente e membro do Kadima).

Há um terceiro muro que encerra a população palestina e constitui um aspecto bastante subestimado, ou deliberadamente ignorado, da opressão israelense. É o "muro de cristal", para usar uma metáfora do jornalista Jonathan Cook, que encerra os palestinos de 1948, os mal-denominados "árabes israelenses".

A minoria palestina em Israel, estimada em 1.300.000 membros (ou seja, algo de pouco inferior a um quinto da população israelense), é composta de palestinos que permanecem nas terras conquistadas por Israel em 1947-49 e por seus descendentes. O tratamento imposto por Israel a esta minoria e as medidas radicais de grande parte do establishment sionista, revelam a inevitável discrepância entre a realização do projeto sionista de estabelecer um Estado judaico na Palestina e a satisfação dos direitos naturais do povo palestino.

Em virtude da lei marcial que vigorou de 1949 a 1966, em teoria, os palestinos de Israel desfrutam, desde 1967, dos mesmos direitos de todos os israelenses. Só em teoria, porque as discriminações, ainda que não constem da lei, persistem e se desenvolvem. Do Ministério de Assuntos Religiosos, que não dedica mais de 2% do seu orçamento às comunidades palestinas de Israel e rechaça acordar créditos para os cemitérios "não-judeus", aos numerosos municípios que se abstêm de utilizar a língua árabe na sinalização das rodovias, são muitos os casos de discriminação institucionalizada.

Se a isso acrescentamos a discriminação na contratação de trabalhadores, no alojamento ou a debilidade dos créditos destinado pelo Estado ao desenvolvimento econômico e social das cidades e povoados árabes (54,8% dos palestinos de 1948 vive abaixo do nível da pobreza diante de 20,3% dos judeus), e há inclusive a negativa em reconhecer alguns destes povoados, vemos que está implantado um sistema de discriminação "paralegal" que Jonathan Cook chama de "muro de cristal". Um muro de cristal que encerra totalmente os palestinos de Israel no status de cidadãos de segunda, que continua sendo visível e que permite a Israel afirmar que é um Estado democrático e não-discriminató rio.As políticas discriminatórias perante os palestinos são assumidas pelos dirigentes israelenses em nome do interesse superior da construção do Estado judaico. Assim, Ariel Sharon afirmava em 2002 que enquanto os judeus têm direitos "sobre" as terras de Israel, os palestinos têm direitos "no" Estado de Israel. Dessa forma, entende-se melhor porque a reivindicação democrática elementar promovida por Azmi Bishara, ex-deputado palestino no Parlamento israelense [e acusado pelo exército de Israel de conspiração e exilado desde 2007], da transformação de Israel num "Estado de todos os seus cidadãos" preocupa todos os que tentam ocultar que Israel, longe de ser "judaico e democrático" é, na melhor das hipóteses, segundo as palavras de outro deputado, Ahmed Tibi, "democrático do ponto de vista dos judeus e judaico do ponto de vista dos árabes".

Os palestinos de Israel e seus direitos nacionais são um obstáculo à edificação de um Estado judaico na Palestina, daí que os encerrarem no status de cidadãos de segunda constantemente acusados de conspirar contra Israel, um fenômeno que se acelerou desde setembro de 2000. Se o sonho sionista de um "Grande Israel" livrado da população palestina tem falhado, alguns dirigentes israelenses agitam a ameaça demográfica e não titubeiam em comparar os palestinos de Israel a um "câncer" que deve ser tratado de forma radical.

Dos partidários da expulsão em massa, representados, sobretudo, pelo ex-vice-Primeiro Ministro Lieberman, àqueles, como Ehud Olmert, que propõem separar as regiões árabes mais densamente povoadas (a exemplo do que tem acontecido em Gaza e corre os risco de ocorrer nos cantões da Cisjordânia), há um amplo consenso na afirmação de que o futuro dos palestinos de Israel não está em Israel. Números recentes indicam que 75% dos judeus israelenses são favoráveis a uma transferência das regiões árabes mais densamente povoadas ao hipotético "Estado Palestino".
O muro de cristal que encerra os palestinos de 1948 numa posição de cidadãos de segunda é a terceira dimensão da opressão israelense. Pode ser imperceptível para aqueles que não querem vê-lo. Cada um deverá se perguntar, portanto, como um deputado israelense (Effie Eitam) pôde declarar recentemente no Parlamento sem se preocupar com as conseqüências, e enfrentando os representantes dos palestinos de 1948: "Um dia os expulsaremos dessa casa e da terra do povo judeu".

O muro de concreto: os cantões.

"Israel tem a obrigação de pôr fim às violações do Direito Internacional das quais é autor. Tem a obrigação, por isso mesmo, de deter as obras do muro que está construindo em território palestino ocupado, inclusive dentro e nos arredores da periferia de Jerusalém Leste, desmantelar imediatamente a estrutura construída em dito território e anular ou deixar sem efeito, a partir desse momento, os atos legislativos e os regulamentos correspondentes" (Veredicto da Corte Internacional de Justiça de 9 de julho de 2004).

Portanto, o muro da Cisjordânia foi declarado ilegal pela Corte Internacional de Justiça. Mas isso não impede que Israel continue a construção e esteja prevendo terminá-la em 2010. No final da obra, o muro medirá mais de 800 quilômetros. Um muro de concreto que, às vezes, chega a 8 metros de altura; a suposta "barreira de segurança" integrará "de fato" cerca de 45% da Cisjordânia e 98% dos colonos do Estado de Israel e retalhará "o Estado palestino" em três territórios isolados que, por sua vez, se subdividirão em 22 pequenos enclaves "conectados" por túneis construídos sob as estradas de uso exclusivo dos colonos que medirão cerca de 1250 quilômetros. Uma parte dos 600 postos de controle e das barreiras que hoje cobrem a Cisjordânia irão desaparecer, os demais serão mantidos para controlar a entrada e a saída dos cantões. Em ditos cantões verá a luz uma entidade palestina auto-administrada que alguns se atreverão, inclusive, a chamar de "Estado".

Ainda que a construção do muro tenha começado em 2002, sua origem remonta, de fato, a bem antes. Exatamente ao dia 10 de julho de 1967, quando acabou oficialmente a Guerra dos Seis Dias. No final da guerra, Israel havia conquistado efetivamente, entre outras coisas, o resto da Palestina teoricamente dividida em 1947 e a capacidade de exercer sua autoridade sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Uma vitória militar mais fácil e mais rápida da de 1948, mas com uma diferença fundamental: ao contrário do que aconteceu naquele momento, a maioria dos palestinos não foi embora. Portanto, o feito militar criou um problema aos dirigentes sionistas: naquele momento Israel teve que assumir os palestinos de Gaza e da Cisjordânia que se somaram aos palestinos de 1948. A pretensão do Estado de Israel de ser ao mesmo tempo um estado judaico e democrático parecia, portanto, seriamente ameaçada.

Para responder a esta contradição, um general trabalhista, Igal Allon, apresentou ao Primeiro Ministro, Levi Eshkol, em julho de 1967, uma solução alternativa à expulsão que comprometeria o apoio internacional do qual gozava o Estado de Israel. A filosofia do "Plano Allon" é a seguinte: renunciar à soberania sobre as áreas palestinas mais densamente povoadas conservando o controle exclusivo sobre o vale do Rio Jordão, a margem ocidental do Mar Morto e Jerusalém, onde os limites municipais foram consideravelmente expandidos. Estabeleceria- se assim uma entidade palestina constituída por cantões isolados e com limitadas atribuições de soberania. Allon não respondia à questão se dita soberania seria entregue aos autóctones, à Jordânia ou ao Egito.

Ainda que o Plano Allon não tenha sido oficialmente adotado pelo poder israelense, é ele que vai guiar, com algumas variantes, a política do Estado sionista a partir de 1967. A disposição [geográfica] das colônias o traçado dos anéis viários reservados aos colonos e a progressiva fragmentação da Cisjordânia são a aplicação concreta do plano do general Allon. Os Acordos de Oslo e a divisão da Cisjordânia em áreas A, B e C foram diretamente inspirados em dito plano. Até o general Sharon, fervente partidário da expulsão dos palestinos, acabou adotando, com modificações, o Plano Allon. Neste sentido, foi criada a "retirada unilateral" de Gaza em 2005 que, longe de ser um "gesto de paz", é uma decisão pragmática de abandono e assédio de uma região palestina densamente povoada. A decisão de construir o muro, se a interpretamos devidamente como a renúncia à anexação do conjunto da Cisjordânia, nada mais é do que a aplicação da última etapa do Plano Allon.

O muro traça os limites dos cantões palestinos, das áreas demasiadamente povoadas que Israel não quer administrar. É este o "Estado Palestino" do qual falam os dirigentes israelenses, que jamais se colocaram a questão da devolução dos territórios ocupados em 1967. Senão, como explicar que a colonização continua a um ritmo cada vez mais desenfreado, apesar dos chamados "processos de paz"? Efetivamente, hoje, vivem na Cisjordânia mais de 500.000 colonos (diante de pouco mais de 200.000 no início dos anos 90), seu número cresce a um ritmo três vezes superior em relação ao resto da população israelense e logo representarão 10% da população judaica de Israel.

O muro de concreto, do qual já foram construídos mais de 500 quilômetros, é a expressão mais clara, 60 anos depois da grande expulsão e 41 anos depois da ocupação de toda a Palestina, da quarta dimensão da opressão israelense: a negação do direito dos palestinos exercerem uma autêntica soberania.

Conclusão. O quinto muro: o muro do silêncio.

Muros de ferro, de arame, de cristal e de concreto: imateriais ou tragicamente reais, esses quatro muros são os símbolos dos vários rostos da opressão da qual é vítima o povo palestino. Os três últimos são os que encerram os três componentes da nação palestina (refugiados, palestinos de 1948 e palestinos dos territórios ocupados) em diferentes estatutos de cidadãos de segunda. O primeiro, o muro de ferro, o exército israelense, é o meio pelo qual o Estado de Israel criou e perpetua a opressão.

Queria falar de outros muros. Sobretudo das celas em que apodrecem 11.700 presos políticos palestinos, entre eles dezenas de deputados e ex-deputados, ex-ministros, um ex-vice-primeiro ministro, o ex-presidente do Conselho Legislativo, além de numerosos prefeitos e conselheiros. Entre estes 11.700 presos, vários milhares nunca foram julgados. Outros vários milhares foram condenados sem provas por tribunais militares, sobre simples suposições ou por "crimes de intenção", como o jovem franco-palestino Salah Hamouri.

Mas há outro muro que quero lembrar nesta conclusão. Um muro que se diferencia substancialmente dos demais, na medida em que aqueles que decidiram sua construção não são dirigentes sionistas ou membros do establishment israelense. Esse quinto muro, o que os palestinos enfrentam todos os dias há mais de 60 anos, é o silêncio ensurdecedor da "comunidade internacional" perante a negação de seus direitos nacionais.

Um muro de silêncio tão mais incompreensível para os palestinos porque se trata da mesma comunidade internacional que com regularidade, especialmente a ONU, relembra a obrigação de respeitar esses direitos. Através da Resolução 181, a ONU criou o Estado de Israel e o aceita em sua organização com a condição de que cumpra as demais resoluções, sobretudo a 194, que afirma o direito de retorno dos refugiados. E nós vemos o resultado.

O silêncio da "comunidade internacional" é ainda mais surpreendente quando comparado com as pomposas declarações de apoio a Israel, à sua segurança, e as não menos solenes condenações da resistência palestina que contribuem, ainda mais um pouco, a isolar os palestinos e asfixiar suas reivindicações.

Apesar do isolamento e do abandono de muitos de seus dirigentes, os palestinos não renunciam a conseguir seus direitos. Apesar de saberem que Israel conta com o apoio incondicional dos dirigentes das maiores superpotências, eles continuam convocando todos os dias as populações do mundo inteiro a romper o silêncio, a virar de cabeça pra baixo a lógica atual que, em nome da "paz", vai no sentido de proteger Israel e consolidar, no lugar de derrubar, os muros que os encerram.

(Você pode recuperar os textos já divulgados acessando: http://groups.google.com.br/group/chiapas-palestina)
As informações sobre o livro "Questão Palestina - da diáspora ao Mapa do Caminho" podem ser obtidas junto à Editora Achiamé através do e-mail mailto:letralivre@gbl.com.br
Acompanhe notícias da Rede em http://www.redecontraviolencia.org/Noticias e o calendário permanente de atividades em http://www.redecontraviolencia.org/Atividades

Petroleiros programam greve nacional com parada de produção

Petroleiros programam greve nacional com parada de produção

Os sindicatos ligados à Frente Nacional dos Petroleiros (FNP) deram na última sexta-feira (25), mais um importante passo em busca da construção da greve unificada da categoria. Em reunião ampliada com o Conselho Consultivo da Frente Única dos Petroleiros (FUP), em um hotel no Centro do Rio de Janeiro, foi discutido e aprovado o indicativo de um calendário conjunto de lutas.

A proposta prevê greve a partir do dia 5 de agosto, em todas as unidades da Petrobrás, com parada de produção. A partir da próxima semana, os sindicatos da FNP realizarão assembléias para aprovar o indicativo de greve. No Rio de Janeiro, a plenária será na terça (29), quarta (30) e quinta-feira (31).Na reunião, os sindipetros da FNP reafirmaram a necessidade de instalação da mesa única de negociação com a empresa e construção do comando unificado de greve, conforme aprovado nas assembléias realizadas nas bases. Porém, a FUP ainda mostra-se contrária à proposta de negociar em conjunto e estabelecer o comando unificado.

A Federação quer condicionar a questão da mesa única ao seu indicativo. Como tem a maioria dos sindicatos, a FNP ficaria a reboque no processo. Respeitamos a posição da Federação, mas não abrimos mão de divergir no indicativo. Até porque quem aceita ou não a proposta é a categoria nas assembléias. Apesar de não concordamos com a metodologia utilizada pelos companheiros da FUP nas mesas de negociação, temos que avançar, em prol dos trabalhadores.O mais importante, porém, foi alcançado: todos os 17 sindicatos relataram suas mobilizações, refletindo a disposição da categoria de ir à luta.

A greve já está sendo preparada em todas as unidades da Petrobrás.A Petrobrás continua irredutível com relação ao pagamento da PLR (Participação nos Lucros e Resultados). Na reunião com a FNP, na quinta-feira (24), o gerente de Recursos Humanos, Diego Hernandez, não apresentou proposta para pagamento da PLR. As negociações com a FUP, que aconteceram na quarta e na quinta-feira, também não evoluíram. Essa falta de respeito com os trabalhadores que dão e deram seu sangue para fazer a Petrobrás crescer é o que motiva a construção da greve.

Fonte: Imprensa Sindipetro-RJ, apoio Agência Petroleira de Notícias
http://www.apn.org.br/
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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Luta de classe e luta política

A grande indústria aglomera num mesmo local uma multidão de pessoas que não se conhecem. A concorrência divide os seus interesses. Mas a manutenção do salário, este interesse comum que têm contra o seu patrão, os reúne num mesmo pensamento de resistência - coalizão. A coalizão, pois, tem sempre um duplo objetivo: fazer cessar entre elas a concorrência, para poder fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se o primeiro objetivo da resistência é apenas a manutenção do salário, à medida que os capitalistas, por seu turno, se reúnem em um mesmo pensamento de repressão, as coalizões, inicialmente isoladas, agrupam-se e, em face do capital sempre reunido, a manutenção da associação torna-se para elas mais importante que a manutenção do salário. [...] Nessa luta - verdadeira guerra civil -, reúnem-se e se desenvolvem todos os elementos necessários a uma batalha futura. Uma vez chegada a esse ponto, a associação adquire um caráter político.

As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, em face do capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, [...], essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses de classe. Mas a luta entre classes é uma luta política. [...]Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes. A libertação da classe oprimida implica, pois, necessariamente, a criação de uma sociedade nova. Pra que a classe oprimida possa libertar-se, é preciso que os poderes produtivos já adquiridos e as relações sociais existentes não possam mais existir uns ao lados de outras. De todos os instrumentos de produção, o maior poder produtivo é a classe revolucionária mesma. A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças produtivas que poderiam se engendrar no seio da sociedade antiga.

Isso significa que, após a ruína da velha sociedade, haverá uma nova dominação de classe, resumindo-se eu um novo poder político? Não. A condição da libertação da classe laboriosa é a abolição de toda classe, assim como a condição da libertação do terceiro estado, da ordem burguesa, foi a abolição de todos os estados [aqui, estado significa as ordens da sociedade feudal] e de todas as ordens.

A classe laboriosa substituirá, no curso do seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seu antagonismo, e não haverá mais poder político propriamente dito, já que o poder político é o resumo oficial do antagonismo na sociedade civil.
Entretanto, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma luta de uma classe contra outra, luta que, levada à sua expressão mais alta, é uma revolução total. [...] Não se diga que o movimento social exclui o movimento político. Não há, jamais, movimento político que não seja, ao mesmo tempo, social. Somente numa ordem de coisas em que não existam mais classes e antagonismos entre classes as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas. Até lá, às vésperas de cada reorganização geral da sociedade, a última palavra da ciência social será sempre: "O combate ou a morte: a luta sanguinária ou nada. É assim que a questão está irresistivelmente posta".

Karl Marx.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Boitempo e Margem Esquerda promovem: Curso Livre - MARX e ENGELS


Boitempo e Margem Esquerda promovem:


Curso Livre - MARX e ENGELS


O curso Livre Marx e Engels pretende depertar o interesse pela leitura e estudo da obra dos dois filósofos, cujo pensamento se mantém vivo e atual. As aulas - ministradas por importantesintelectuais marxistas brasileiros - são públicas e gratuitas.
informações: cursolivre@boitempoeditorial.com.br


Local - UERJ - Auditório 13 - 1º andarRua São Francisco Xavier, 524

Maracanã - Rio de Janeiro - RJ

a partir das 18h


O que deve ser um jovem comunista.

Conferência pronunciada na União de Jovens Comunistas em 20 de Outubro de 1962 e publicado em Verde Olivo, ano 3, nº 43, 28 de Outubro de 1962

Ouça parte desse discurso, na voz do próprio Che, em arquivo .wav A parte do som é o sexto parágrafo desse texto

"Quero formular agora, companheiros, qual é a minha opinião, a visão de um dirigente nacional das ORI, do que é que deve ser um jovem comunista, a ver se estivermos de acordo todos.

Eu acho que o primeiro que deve caracterizar um jovem comunista é a honra que sente por ser um jovem comunista. Essa honra que o leva a mostrar perante todo o mundo a sua condição de jovem comunista, que não o vira para a clandestinidade, que não o reduz a fórmulas, mas que o exprime a cada momento, que lhe sai do espírito, que tem interesse em demonstrá-lo porque é o seu símbolo de orgulho.

Junto disso, um grande sentido do dever para a sociedade que estamos a construir, com os nossos semelhantes como seres humanos e com todos os homens do mundo. Isso é algo que deve caracterizar o jovem comunista. Ao pé disso, uma grande sensibilidade ante todos os problemas, grande sensibilidade face à injustiça. Espírito inconforme cada vez que surge algo que está mal, tenha-o dito quem o dizer. Pôr em questão todo o que não se perceber. Discutir e pedir esclarecimento do que não estiver claro. Declarar a guerra ao formalismo, a todos os tipos de formalismo. Estar sempre aberto para receber as novas experiências, para conformar a grande experiência da humanidade, que leva muitos anos a avançar póla senda do socialismo, às condições concretas do nosso país, às realidades que existem em Cuba. E pensar -todos e cada um- como irmos mudando a realidade, como irmos melhorando-a.

O jovem comunista deve tentar ser sempre o primeiro em tudo, lutar por ser o primeiro, e sentir-se incomodado quando em algo ocupa outro lugar. Lutar sempre por melhorar, por ser o primeiro. Claro que nom todos podem ser o primeiro, mas sim estar entre os primeiros, no grupo de vanguarda. Ser um exemplo vivo, ser o espelho onde podam olhar-se os homens e mulheres de idade mais avançada que perderam certo entusiasmo juvenil, que perderam a fé na vida e que ante o estímulo do exemplo reagem sempre bem. Eis outra tarefa dos jovens comunistas.

Junto disso, um grande espírito de sacrifício, um espírito de sacrifício nom apenas para as jornadas heróicas, mas para todo o momento. Sacrificar-se para ajudar o companheiro nas pequenas tarefas e que poda cumprir o seu trabalho, para que possa cumprir com o seu dever no colégio, no estudo, para que possa melhorar de qualquer maneira. Estar sempre atento a toda a massa humana que o rodeia.

Quer dizer: apresenta-se a todo jovem comunista a tarefa de ser essencialmente humano, ser tão humano que se aproxime ao melhor do humano, purificar o melhor do homem por meio do trabalho, do estudo, do exercício de solidariedade continuada com o povo e com todos os povos do mundo, desenvolver ao máximo a sensibilidade até se sentir angustiado quando um homem é assassinado em qualquer canto do mundo e para se sentir entusiasmado quando em algum canto do mundo se alça uma nova bandeira de liberdade.

O jovem comunista não pode estar limitado pelas fronteiras de um território, o jovem comunista deve praticar o internacionalismo proletário e senti-lo como cousa de seu. Lembrar-se, como devemos lembrar-nos nós, aspirantes a comunistas cá em Cuba, que somos um exemplo real e palpável para toda a nossa América, para outros países do mundo que lutam também noutros continentes pela sua liberdade, contra o colonialismo, contra o neocolonialismo, contra o imperialismo, contra todas as formas de opressão dos sistemas injustos. Lembrar sempre que somos um facho acesso, que somos o mesmo espelho que cada um de nós individualmente é para o povo de Cuba, e somos esse espelho para que se olhem nele os povos da América, os povos do mundo oprimidos que lutam pela sua liberdade. E devemos ser dignos desse exemplo. Em todo o momento e a toda a hora ser dignos desse exemplos.

Isso é o que nós julgamos que deve ser um jovem comunista. E se nos disessem que somos quase uns românticos, que somos uns idealistas inveterados, que estamos a pensar em coisas impossíveis, e que não se pode atingir da massa de um povo que seja quase um arquétipo humano, nós temos de contestar, uma e mil vezes, que sim, que sim se pode, que estamos no certo, que todo o povo pode ir avançando, ir liquidando intransigentemente todos aqueles que ficarem atrás, que nom forem capazes de marcharem ao ritmo a que marcha a revolução cubana.

Tem de ser assim, deve ser assim, e assim é que será, companheiros, será assim, porque vocês som jovens comunistas, criadores da sociedade perfeita, seres humanos destinados a viver num mundo novo de onde terá desaparecido de vez todo o caduco, todo o velho, todo o que representar a sociedade cujas bases acabam de ser destruídas.

Para atingirmos isso cumpre trabalhar todos os dias. Trabalhar no senso interno de aperfeiçoamento, de aumento dos conhecimentos de aumento da compreensão do mundo que nos rodeia. Inquirir e pesquisar e conhecer bem o porquê das cousas e colocar sempre os grandes problemas da Humanidade como problemas próprios.

De certo, num momento dado, num dia qualquer do anos que venham -após passarmos muitos sacrifícios, sim, depois de termo-nos porventura visto muitas vezes à beira da destruição após termos porventura visto como as nossas fábricas são destruídas e de tê-las reconstruído de novo, depois de assistirmos ao assassinato, à matança de muitos de nós e de reconstruirmos o que for destruído, ao fim de isso tudo, um dia qualquer, quase sem repararmos, teremos criado, junto dos outros povos do mundo, a sociedade comunista, o nosso ideal."

Ernesto Guevara.

MST e Rio Grande do Sul

Luz vermelha no Rio Grande do Sul

Por Plinio de Arruda SampaioFonte: Folha de S.Paulo, 22/7/2008

Explicam-se as manifestações de perplexidade e indignação ante o tom raivoso e sectário do Ministério Público gaúcho.
Uma luz vermelha se acendeu em todos os setores democráticos com a publicação da ata de uma reunião do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, dedicada à análise da situação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
O motivo do alerta são as propostas aprovadas unanimemente pelos conselheiros: a primeira foi designar uma equipe de promotores para promover ação civil pública visando a dissolução do MST e a declará-lo ilegal.

A essa medida draconiana seguem-se outras: suspender deslocamentos em massa de trabalhadores sem terra; impedir a presença de crianças e adolescentes em marchas e acampamentos; investigar acampados e dirigentes do movimento por crime organizado e uso de verbas públicas; verificar ocorrência de desequilíbrio eleitoral nos locais de acampamentos e assentamentos, promovendo, em caso positivo, o cancelamento dos eleitores; intervir em três escolas mantidas pelo MST; verificar se há paridade entre assentamentos e empresas rurais na avaliação do Incra a respeito do cumprimento da função social da propriedade e da produtividade dos imóveis; desativar acampamentos próximos à fazenda Coqueiros.

A simples leitura dessa “Blitzkrieg” de medidas inibidoras da ação dos sem terra deixa perplexos os que se habituaram a ver no Ministério Público uma instituição formada por profissionais do mais alto nível, pois, além de evidentes inconstitucionalidades, o texto está vazado em linguagem imprecisa e, em alguns casos, evidentemente emprestada dos manifestos das organizações ruralistas mais reacionárias.

Isso ocorre no momento em que os cultores do Estado democrático de Direito estão preocupados com o ciclo de restrição das garantias e liberdades individuais e coletivas que surgiu com a desvairada reação norte-americana aos atentados do 11 de Setembro. Essa onda reacionária, que já se manifestou igualmente na França, na Itália e em outros países, parece estar chegando ao Brasil e precisa ser energicamente repelida.

Não será difícil para os advogados do MST barrar na esfera judicial as medidas propostas na infeliz reunião do Ministério Publico gaúcho. Por isso, não há necessidade de refutá-las uma a uma. O que, sim, demanda consideração pelas pessoas de formação democrática é o grave dano que a injustificada atitude de um braço estadual causa ao Ministério Público de todo o país.

Os constituintes de 1988, com plena consciência do passo que estavam dando, talharam de forma inovadora o capítulo do Ministério Público na Constituição Federal. Tratava-se de dotar o Estado brasileiro de uma instituição com poderes adequados à fiscalização e à promoção do cumprimento da lei.Por isso, além das tradicionais atribuições relativas à perseguição criminal, o Ministério Público adquiriu poder para, na defesa de interesses coletivos ou difusos, acionar a Justiça contra pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da administração pública e até Poderes do Estado.

A magnitude desse avanço na concepção do Estado democrático de Direito pode ser medida pela confiança que as organizações populares, as igrejas, os sindicatos, os partidos e os grupos de cidadãos, em todos os cantos do país, passaram a depositar nos promotores de Justiça.
Esse conceito tem um preço: imparcialidade, coragem, sintonia total com o texto e o espírito da Constituição. Explicam-se, pois, as manifestações de perplexidade e de indignação de entidades da sociedade civil e, inclusive, de associações de promotores de Justiça de várias partes do país diante do tom raivoso e sectário do Ministério Público gaúcho.

A proposta de jogar o MST na ilegalidade é insensata e revela crasso desconhecimento do papel que esse movimento desempenha no grave conflito agrário do país. Como a burguesia brasileira imagina que possa sobreviver uma população de milhões de pessoas sem terra para produzir o seu sustento, sem emprego no campo, sem emprego na cidade e sem reforma agrária?

Ao organizar a pressão dessa população, o MST lhes oferece a esperança que mantém a disputa dentro de parâmetros compatíveis com a vida democrática. Exagerar a gravidade dos atos de desobediência civil que o movimento promove para sensibilizar a opinião pública é estratégia dos grandes proprietários. Não tem o menor cabimento que um órgão do Estado a encampe.
As pessoas que têm elevada consideração pelo Ministério Público esperam uma reação enérgica dos membros da corporação contra o que constitui, sob qualquer ângulo de análise, uma deturpação das atribuições que a Constituição conferiu à instituição.


PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO, 78, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do “Correio da Cidadania”. Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação)..

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Balanço do neoliberalismo

Perry Anderson: Balanço do neoliberalismo
Comecemos com as origens do que se pode definir do neoliberalismo como fenômeno distinto do simples liberalismo clássico, do século passado. O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.
O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria. A mensagem de Hayek é drástica: "Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna".
Três anos depois, em 1947, enquanto as bases do Estado de bem-estar na Europa do pós-guerra efetivamente se construíam, não somente na Inglaterra, mas também em outros países, neste momento Hayek convocou aqueles que compartilhavam sua orientação ideológica para uma reunião na pequena estação de Mont Pèlerin, na Suíça. Entre os célebres participantes estavam não somente adversários firmes do Estado de bem-estar europeu, mas também inimigos férreos do New Deal norte-americano. Na seleta assistência encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Aí se fundou a Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. As condições para este trabalho não eram de todo favoráveis, uma vez que o capitalismo avançado estava entrando numa longa fase de auge sem precedentes – sua idade de ouro –, apresentando o crescimento mais rápido da história, durante as décadas de 50 e 60. Por esta razão, não pareciam muito verossímeis os avisos neoliberais dos perigos que representavam qualquer regulação do mercado por parte do Estado. A polêmica contra a regulação social, no entanto, tem uma repercussão um pouco maior. Hayek e seus companheiros argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais. Esta mensagem permaneceu na teoria por mais ou menos 20 anos.
A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.
Esses dois processos destruíram os níveis necessários de lucros das empresas e desencadearam processos inflacionários que não podiam deixar de terminar numa crise generalizada das economias de mercado. O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa "natural" de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais haviam tão desastrosamente deformado o curso normal da acumulação e do livre mercado. O crescimento retornaria quando a estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido restituídos.
A hegemonia deste programa não se realizou do dia para a noite. Levou mais ou menos uma década, os anos 70, quando a maioria dos governos da OCDE – Organização Européia para o Comércio e Desenvolvimento – tratava de aplicar remédios keynesianos às crises econômicas. Mas, ao final da década, em 1979, surgiu a oportunidade. Na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de direita, o governo de Schluter. Em seguida, quase todos os países do norte da Europa ocidental, com exceção da Suécia e da Áustria, também viraram à direita. A partir daí, a onda de direitização desses anos tinha um fundo político para além da crise econômica do período. Em 1978, a segunda guerra fria eclodiu com a intervenção soviética no Afeganistão e a decisão norte-americana de incrementar uma nova geração de foguetes nucleares na Europa ocidental. O ideário do neoliberalismo havia sempre incluído, como componente central, o anticomunismo mais intransigente de todas as correntes capitalistas do pós-guerra. O novo combate contra o império do mal – a servidão humana mais completa aos olhos de Hayek – inevitavelmente fortaleceu o poder de atração do neoliberalismo político, consolidando o predomínio da nova direita na Europa e na América do Norte. Os anos 80 viram o triunfo mais ou menos incontrastado da ideologia neoliberal nesta região do capitalismo avançado.
O que fizeram, na prática, os governos neoliberais deste período? O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente – esta foi uma medida surpreendentemente tardia –, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado.
A variante norte-americana era bem distinta. Nos Estados Unidos, onde quase não existia um Estado de bem-estar do tipo europeu, a prioridade neoliberal era mais a competição militar com a União Soviética, concebida como uma estratégia para quebrar a economia soviética e, por esta via, derrubar o regime comunista na Rússia. Deve-se ressaltar que, na política interna, Reagan também reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão. Mas, decididamente, não respeitou a disciplina orçamentária; ao contrário, lançou-se numa corrida armamentista sem precedentes, envolvendo gastos militares enormes, que criaram um déficit público muito maior do que qualquer outro presidente da história norte-americana. Mas esse recurso a um keynesianismo militar disfarçado, decisivo para uma recuperação das economias capitalistas da Europa ocidental e da América do Norte, não foi imitado. Somente os Estados Unidos, por causa de seu peso na economia mundial, podiam dar-se ao luxo do déficit massivo na balança de pagamentos que resultou de tal política.
No continente europeu, os governos de direita deste período – amiúde com fundo católico – praticaram em geral um neoliberalismo mais cauteloso e matizado que as potências anglo-saxônicas, mantendo a ênfase na disciplina orçamentária e nas reformas fiscais, mais do que em cortes brutais de gastos sociais ou enfrentamentos deliberados com os sindicatos. Contudo, a distância entre estas políticas e as da social-democracia governante anterior já era grande. E, enquanto a maioria dos países no norte da Europa elegia governos de direita empenhados em várias versões do neoliberalismo, no sul do continente – território de De Gaulle, Franco, Salazar, Fanfani, Papadopoulos, etc. –, previamente uma região muito mais conservadora politicamente, chegavam ao poder, pela primeira vez, governos de esquerda, chamados de euro-socialistas: Miterrand, na França; González, na Espanha; Soares, em Portugal; Craxi, na Itália; Papandreou, na Grécia. Todos se apresentavam como uma alternativa progressista, baseada em movimentos operários ou populares, contrastando com a linha reacionária dos governos de Reagan, Thatcher, Khol e outros do norte da Europa. Não há dúvida, com efeito, de que pelo menos Miterrand e Papandreou, na França e na Grécia, genuinamente se esforçaram para realizar uma política de deflação e redistribuição, de pleno emprego e de proteção social. Foi uma tentativa de criar um equivalente no sul da Europa do que havia sido a social-democracia do pós-guerra no norte do continente em seus anos de ouro. Mas o projeto fracassou, e já em 1982 e 1983 o governo socialista na França se viu forçado pelos mercados financeiros internacionais a mudar seu curso dramaticamente e reorientar-se para fazer uma política muito próxima à ortodoxia neoliberal, com prioridade para a estabilidade monetária, a contenção do orçamento, concessões fiscais aos detentores de capital e abandono do pleno emprego. No final da década, o nível de desemprego na França socialista era mais alto do que na Inglaterra conservadora, como Thatcher se gabava amiúde de assinalar. Na Espanha, o governo de González jamais tratou de realizar uma política keynesiana ou redistributiva. Ao contrário, desde o início o regime do partido no poder se mostrou firmemente monetarista em sua política econômica: grande amigo do capital financeiro, favorável ao princípio de privatização e sereno quando o desemprego na Espanha rapidamente alcançou o recorde europeu de 20% da população ativa.
Enquanto isso, no outro lado do mundo, na Austrália e na Nova Zelândia, o mesmo padrão assumiu proporções verdadeiramente dramáticas. Sucessivos governos trabalhistas ultrapassaram os conservadores locais de direita com programas de neoliberalismo radical – na Nova Zelândia, provavelmente o exemplo mais extremo de todo o mundo capitalista avançado, desmontando o Estado de bem-estar muito mais completa e ferozmente do que Thatcher na Inglaterra.
O que demonstravam estas experiências era a hegemonia alcançada pelo neoliberalismo como ideologia. No início, somente governos explicitamente de direita radical se atreveram a pôr em prática políticas neoliberais; depois, qualquer governo, inclusive os que se autoproclamavam e se acreditavam de esquerda, podia rivalizar com eles em zelo neoliberal. O neoliberalismo havia começado tomando a social-democracia como sua inimiga central, em países de capitalismo avançado, provocando uma hostilidade recíproca por parte da social-democracia. Depois, os governos social-democratas se mostraram os mais resolutos em aplicar políticas neoliberais. Nem todas as social-democracias, bem entendido. Ao final dos anos 80, a Suécia e a Áustria ainda resistiam à onda neoliberal da Europa. E, fora do continente europeu, o Japão também continuava isento de qualquer pressão ou tentação neoliberal. Mas, nos demais países da OCDE, as idéias da Sociedade de Mont Pèlerin haviam triunfado plenamente. Poder-se-ia perguntar qual a avaliação efetiva da hegemonia neoliberal no mundo capitalista avançado, pelo menos durante os anos 80. Cumpriu suas promessas ou não? Vejamos o panorama de conjunto. A prioridade mais imediata do neoliberalismo era deter a grande inflação dos anos 70. Nesse aspecto, seu êxito foi inegável. No conjunto dos países da OCDE, R taxa de inflação caiu de 8,8% para 5,2%, entre os anos 70 e 80, e a tendência de queda continua nos anos 90. A deflação, por sua vez, deveria ser a condição para a recuperação dos lucros. Também nesse sentido o neoliberalismo obteve êxitos reais. Se, nos anos 70, a taxa de lucro das indústrias nos países da OCDE caiu em cerca de 4,2%, nos anos 80 aumentou 4,7%. Essa recuperação foi ainda mais impressionante na Europa Ocidental como um todo, de 5,4 pontos negativos para 5,3 pontos positivos. A razão principal dessa transformação foi, sem dúvida, a derrota do movimento sindical, expressado na queda drástica do número de greves durante os anos 80 e numa notável contenção dos salários. Essa nova postura sindical, muito mais moderada, por sua vez, em grande parte era produto de um terceiro êxito do neoliberalismo, ou seja, o crescimento das taxas de desemprego, concebido como um mecanismo natural e necessário de qualquer economia de mercado eficiente. A taxa média de desemprego nos países da OCDE, que havia ficado em torno de 4% nos anos 70, pelo menos duplicou na década de 80. Também este foi um resultado satisfatório. Finalmente, o grau de desigualdade – outro objetivo sumamente importante para o neoliberalismo – aumentou significativamente no conjunto dos países da OCDE: a tributação dos salários mais altos caiu 20% em média nos anos 80, e os valores das bolsas aumentaram quatro vezes mais rapidamente do que os salários.
Então, em todos estes itens, deflação, lucros, empregos e salários, podemos dizer que o programa neoliberal se mostrou realista e obteve êxito. Mas, no final das contas, todas estas medidas haviam sido concebidas como meios para alcançar um fim histórico, ou seja, a reanimação do capitalismo avançado mundial, restaurando taxas altas de crescimento estáveis, como existiam antes da crise dos anos 70. Nesse aspecto, no entanto, o quadro se mostrou absolutamente decepcionante. Entre os anos 70 e 80 não houve nenhuma mudança – nenhuma – na taxa de crescimento, muito baixa nos países da OCDE. Dos ritmos apresentados durante o longo auge, nos anos 50 e 60, restam somente uma lembrança distante.
Qual seria a razão deste resultado paradoxal? Sem nenhuma dúvida, o fato de que – apesar de todas as novas condições institucionais criadas em favor do capital – a taxa de acumulação, ou seja, da efetiva inversão em um parque de equipamentos produtivos, não apenas não cresceu durante os anos 80, como caiu em relação a seus níveis – já médios – dos anos 70. No conjunto dos países de capitalismo avançado, as cifras são de um incremento anual de 5,5% nos anos 60, de 3,6% nos anos 70, e nada mais do que 2,9% nos anos 80. Uma curva absolutamente descendente.
Cabe perguntar por que a recuperação dos lucros não levou a uma recuperação dos investimentos. Essencialmente, pode-se dizer, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a inversão especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu uma verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas transações, puramente monetárias, acabaram por diminuir o comércio mundial de mercadorias reais. O peso de operações puramente parasitárias teve um incremento vertiginoso nestes anos. Por outro lado – e este foi, digamos, o fracasso do neoliberalismo –, o peso do Estado de bem-estar não diminuiu muito, apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais. Embora o crescimento da proporção do produto bruto nacional consumida pelo Estado tenha sido notavelmente desacelerado, a proporção absoluta não caiu, mas aumentou, de mais ou menos 46% para 48% do PNB médio dos países da OCDE durante os anos 80. Duas razões básicas explicam este paradoxo: o aumento dos gastos sociais com o desemprego, que custaram bilhões ao Estado, e o aumento demográfico dos aposentados na população, que levou o Estado a gastar outros bilhões em pensões.
Por fim, ironicamente, quando o capitalismo avançado entrou de novo numa profunda recessão, em 1991, a dívida pública de quase todos os países ocidentais começou a reassumir dimensões alarmantes, inclusive na Inglaterra e nos Estados Unidos, enquanto que o endividamento privado das famílias e das empresas chegava a níveis sem precedentes desde a II Guerra Mundial. Atualmente, com a recessão dos primeiros anos da década de 90, todos os índices econômicos tornaram-se muito sombrios nos países da OCDE, onde, presentemente, há cerca de 38 milhões de desempregados, aproximadamente duas vezes a população total da Escandinávia. Nestas condições de crise muito aguda, pela lógica, era de se esperar uma forte reação contra o neoliberalismo nos anos 90. Isso aconteceu? Ao contrário, por estranho que pareça, o neoliberalismo ganhou um segundo alento, pelo menos em sua terra natal, a Europa. Não somente o thatcherismo sobreviveu à própria Thatcher, com a vitória de Major nas eleições de 1992 na Inglaterra. Na Suécia, a social-democracia, que havia resistido ao avanço neoliberal nos anos 80, foi derrotada por uma frente unida de direita em 1991. O socialismo francês saiu bastante desgastado das eleições de 1993. Na Itália, Berlusconi – uma espécie de Reagan italiano – chegou ao poder à frente de uma coalizão na qual um dos integrantes era um partido oficialmente facista até recentemente. Na Alemanha, o governo de Kohl provavelmente continuará no poder. Na Espanha, a direita está às portas do poder.
Mas, para além desses êxitos eleitorais, o projeto neoliberal continua a demonstrar uma vitalidade impressionante. Seu dinamismo não está ainda esgotado, como se pode ver na nova onda de privatizações em países até recentemente bastante resistentes a elas, como Alemanha, Áustria e Itália. A hegemonia neoliberal se expressa igualmente no comportamento de partidos e governos que formalmente se definem como seus opositores. A primeira prioridade do presidente Clinton, nos Estados Unidos, foi reduzir o déficit orçamentário, e a segunda foi adotar uma legislação draconiana e regressiva contra a delinqüência, lema principal também da nova liderança trabalhista na Inglaterra. O temário político segue sendo ditado pelos parâmetros do neoliberalismo, mesmo quando seu momento de atuação econômica parece amplamente estéril ou desastroso. Como explicar esse segundo alento no mundo capitalista avançado? Uma de suas razões fundamentais foi claramente a vitória do neoliberalismo em outra área do mundo, ou seja, a queda do comunismo na Europa oriental e na União Soviética, de 89 a 91, exatamente no momento em que os limites do neoliberalismo no próprio Ocidente tornavam-se cada vez mais óbvios. Pois a vitória do Ocidente na guerra fria, com o colapso de seu adversário comunista, não foi o triunfo de qualquer capitalismo, mas o do tipo específico liderado e simbolizado por Reagan e Thatcher nos anos 80. Os novos arquitetos das economias pós-comunistas no Leste, gente como Balcerovicz na Polônia, Gaidar na Rússia, Klaus, na República Tcheca, eram e são seguidores convictos de Hayek e Friedman, com um menosprezo total pelo keynesianismo e pelo Estado de bem-estar, pela economia mista e, em geral, por todo o modelo dominante do capitalismo ocidental do período pós-guerra. Estas lideranças políticas preconizam e realizam privatizações muito mais amplas e rápidas do que haviam sido feitas no Ocidente. Para sanear suas economias, aceitam quedas de produção infinitamente mais drásticas do que haviam sido aceitas no Ocidente. E promovem graus de desigualdade – sobretudo de empobrecimento da maior parte da população – muito mais brutais do que tínhamos visto nos países do Ocidente.
Não há neoliberais mais intransigentes no mundo do que os "reformadores" do Leste. Dois anos atrás, Vaclav Klaus, primeiro-ministro da República Tcheca, atacou publicamente o presidente do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos no governo Reagan, Allan Greenspan, acusando-o de demonstrar debilidade e frouxidão lamentáveis em sua política monetária. Em artigo para a revista The Economist, Klaus foi incisivo: "O sistema social da Europa ocidental está demasiadamente amarrado por regras e pelo controle social excessivo. O Estado de bem-estar, com todas as suas transferências de pagamentos generosos desligados de critérios, de esforços ou de méritos, destrói a moralidade básica do trabalho e o sentido de responsabilidade individual. Há excessiva proteção e burocracia. Deve-se dizer que a revolução thatcheriana, ou seja, antikeynesiana ou liberal, parou – numa avaliação positiva – no meio do caminho na Europa ocidental e é preciso completá-la". Bem entendido, esse tipo de extremismo neoliberal, por influente que seja nos países pós-comunistas, também desencadeou uma reação popular, como se pôde ver nas últimas eleições na Polônia, na Hungria e na Lituânia, onde partidos ex-comunistas ganharam e agora governam de novo seus países. Mas, na prática, suas políticas no governo não se distinguem muito daquela de seus adversários declaradamente neoliberais. A deflação, a desmontagem de serviços públicos, as privatizações de empresas, o crescimento de capital corrupto e a polarização social seguem, um pouco menos rapidamente, porém com o mesmo rumo. A analogia com o euro-socialismo do sul da Europa é evidente. Em ambos os casos há uma variante mansa – pelo menos no discurso, senão sempre nas ações – de um paradigma neoliberal comum na direita e na esquerda oficial. O dinamismo continuado do neoliberalismo como força ideológica em escala mundial está sustentado em grande parte, hoje, por este "efeito de demonstração" do mundo pós-soviético. Os neoliberais podem gabar-se de estar à frente de uma transformação sócio-econômica gigantesca, que vai perdurar por décadas.
O impacto do triunfo neoliberal no leste europeu tardou a ser sentido em outras partes do globo, particularmente, pode-se dizer, aqui na América Latina, que hoje em dia se converte na terceira grande cena de experimentações neoliberais. De fato, ainda que em seu conjunto tenha chegado a hora das privatizações massivas, depois dos países da OCDE e da antiga União Soviética, genealogicamente este continente foi testemunha da primeira experiência neoliberal sistemática do mundo. Refiro-me, bem entendido, ao Chile sob a ditadura de Pinochet. Aquele regime tem a honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea. O Chile de Pinochet começou seus programas de maneira dura: desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização de bens públicos. Tudo isso foi começado no Chile, quase um decênio antes de Thatcher, na Inglaterra. No Chile, naturalmente, a inspiração teórica da experiência pinochetista era mais norte-americana do que austríaca. Friedman, e não Hayek, como era de se esperar nas Américas. Mas é de se notar que a experiência chilena dos anos 70 interessou muitíssimo a certos conselheiros britânicos importantes para Thatcher, e que sempre existiram excelentes relações entre os dois regimes nos anos 80. O neoliberalismo chileno, bem entendido, pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares do pós-guerra. Mas a democracia em si mesma – como explicava incansavelmente Hayek – jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse. Nesse sentido, Friedman e Hayek podiam olhar com admiração a experiência chilena, sem nenhuma inconsistência intelectual ou compromisso de seus princípios. Mas esta admiração foi realmente merecida, dado que – à diferença das economias de capitalismo avançado sob os regimes neoliberais dos anos 80 – a economia chilena cresceu a um ritmo bastante rápido sob o regime de Pinochet, como segue fazendo com a continuidade da política econômica dos governos pós-Pinochet dos últimos anos.
Se o Chile, nesse sentido, foi a experiência-piloto para o novo neoliberalismo dos países avançados do Ocidente, a América Latina também proveu a experiência-piloto para o neoliberalismo do Oriente pós-soviético. Aqui me refiro, bem entendido, à Bolívia, onde, em 1985, Jeffrey Sachs já aperfeiçoou seu tratamento de choque, mais tarde aplicado na Polônia e na Rússia, mas preparado originariamente para o governo do general Banzer, depois aplicado imperturbavelmente por Victor Paz Estenssoro, quando surpreendentemente este último foi eleito presidente, em vez de Banzer. Na Bolívia, no fundo da experiência não havia necessidade de quebrar um movimento operário poderoso, como no Chile, mas parar a hiperinflação. E o regime que adotou o plano de Sachs não era nenhuma ditadura, mas o herdeiro do partido populista que havia feito a revolução social de 1952. Em outras palavras, a América Latina também iniciou a variante neoliberal "progressista", mais tarde difundida no sul da Europa, nos anos de euro-socialismo. Mas o Chile e a Bolívia eram experiências isoladas até o final dos anos 80.
A virada continental em direção ao neoliberalismo não começou antes da presidência de Salinas, no México, em 88, seguida da chegada ao poder de Menem, na Argentina, em 89, da segunda presidência de Carlos Andrés Perez, no mesmo ano, na Venezuela, e da eleição de Fujimori, no Peru, em 90. Nenhum desses governantes confessou ao povo, antes de ser eleito, o que efetivamente fez depois de eleito. Menem, Carlos Andrés e Fujimori, aliás, prometeram exatamente o oposto das políticas radicalmente antipopulistas que implementaram nos anos 90. E Salinas, notoriamente, não foi sequer eleito, mas roubou as eleições com fraudes.
Das quatro experiências viáveis desta década, podemos dizer que três registraram êxitos impressionantes a curto prazo – México, Argentina e Peru – e uma fracassou: Venezuela. A diferença é significativa. A condição política da deflação, da desregulamentação, do desemprego, da privatização das economias mexicana, argentina e peruana foi uma concentração de poder executivo formidável: algo que sempre existiu no México, um regime de partido único, com efeito, mas Menem e Fujimori tiveram de inovar na Argentina e no Peru com uma legislação de emergência, autogolpes e reforma da Constituição. Esta dose de autoritarismo político não foi factível na Venezuela, com sua democracia partidária mais contínua e sólida do que em qualquer outro país da América do Sul, o único a escapar de ditaduras militares e de regimes oligárquicos desde os anos 50. Daí o colapso da segunda presidência de Carlos Andrés.
Mas seria arriscado concluir que somente regimes autoritários podem impor com êxito políticas neoliberais na América Latina. A Bolívia, onde todos os governos eleitos depois de 1985, tanto de Paz Zamora, quanto de Sanchez Losada, continuaram com a mesma linha, está aí para comprovar o oposto. A lição que fica da longa experiência boliviana é esta: há um equivalente funcional ao trauma da ditadura militar como mecanismo para induzir democrática e não coercitivamente um povo a aceitar políticas neoliberais das mais drásticas. Este equivalente é a hiperinflação. Suas conseqüências são muito parecidas. Recordo-me de uma conversa que tive no Rio de Janeiro, em 1987, quando era consultor de uma equipe do Banco Mundial e fazia uma análise comparativa de cerca de 24 países do Sul, no que tocava a políticas econômicas. Um amigo neoliberal da equipe, sumamente inteligente, economista destacado, grande admirador da experiência chilena sob o regime de Pinochet, confiou-me que o problema crítico no Brasil durante a presidência de Sarney não era uma taxa de inflação demasiado alta – como a maioria dos funcionários do Banco Mundial tolamente acreditava –, mas uma taxa de inflação demasiado baixa. "Esperemos que os diques se rompam", ele disse, "precisamos de uma hiperinflação aqui, para condicionar o povo a aceitar a medicina deflacionária drástica que falta neste país". Depois, como sabemos, a hiperinflação chegou ao Brasil, e as conseqüências prometem ou ameaçam – como se queira – confirmar a sagacidade deste neoliberal indiano.
A pergunta que está aberta é se o neoliberalismo encontrará mais ou menos resistência à implementação duradoura dos seus projetos aqui na América Latina do que na Europa ocidental ou na antiga União Soviética. Seria o populismo – ou obreirismo – latino-americano um obstáculo mais fácil ou mais difícil para a realização dos planos neoliberais do que a social-democracia reformista ou o comunismo? Não vou entrar nesta questão, uma vez que outros aqui podem julgar melhor do que eu. Sem dúvida, a resposta vai depender também do destino do neoliberalismo fora da América Latina, onde continua avançando em terras até agora intocadas por sua influência. Atualmente, na Ásia, por exemplo, a economia da Índia começa, pela primeira vez, a ser adaptada ao paradigma liberal, e até mesmo o Japão não está totalmente imune às pressões norte-americanas para abolir regras. A região do capitalismo mundial que apresenta mais êxitos nos últimos 20 anos é também a menos neoliberal, ou seja, as economias do extremo oriente – Japão, Coréia, Formosa, Cingapura, Malásia. Por quanto tempo estes países permanecerão fora da esfera de influência do neoliberalismo? Tudo que podemos dizer é que este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo muito mais parecido ao movimento comunista de ontem do que ao liberalismo eclético e distendido do século passado.
Nesse sentido, qualquer balanço atual do neoliberalismo só pode ser provisório. Este é um movimento ainda inacabado. Por enquanto, porém, é possível dar um veredicto acerca de sua atuação durante quase 15 anos nos países mais ricos do mundo, a única área onde seus frutos parecem, podemos dizer assim, maduros. Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonham, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes. A tarefa de seus opositores é a de oferecer outras receitas e preparar outros regimes. Apenas não há como prever quando ou onde vão surgir. Historicamente, o momento de virada de uma onda é uma surpresa.

No dia da Chacina da Candelária, manifestação exige aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente

Dor e esperança. Alegria e indignação. Esses sentimentos se misturavam no ato público em defesa da vida e na missa dos 15 anos da chacina da Candelária, realizados na manhã dessa quarta-feira, dia 23 de julho, na Igreja da Candelária. O ato seguiu em direção a Câmara dos Vereadores do Rio com o objetivo de reivindicar a efetiva concretização do Estatuto da Criança e do Adolescente, que em 2008 completa 18 anos.A missa teve como marca a emoção. A alegria de cores e rostos infantis na igreja tomada por centenas de crianças de diversos projetos sociais se contrastava com o sofrimento de mães de meninos e meninas vítimas fatais da violência urbana e da brutalidade policial. Mães da Candelária, de Vigário Geral, da Baixada, do Alemão, do Morro do Estado ou da Providência. Todos exigiam que o Estatuto da Criança e do Adolescente fosse aplicado na prática e que o derramamento de sangue das crianças de nosso país tivesse fim.- Na missa de um ano da chacina da Candelária tínhamos o primeiro banco ocupado por mães de crianças vitimadas. Hoje, é triste ver quatro fileiras completas de familiares dessa meninada que teve sua vida levada pela brutalidade humana. Embora nesses anos tenhamos conseguido dar mais visibilidade as leis em defesa da criança, observamos o crescimento vertiginoso do número de crimes contra à infância. Isso é um absurdo! Uma corrida desigual – indigna-se Ana Ribeiro, do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Niterói.A missa celebrada pelo abade Roberto Lopes, responsável pelo Mosteiro do São Bento, ficou com suas galerias completamente tomadas. Representantes de movimentos sociais também marcaram presença. Os candidatos à prefeitura do Rio, Chico Alencar (PSOL) e Alessandro Molon (PT), participaram da celebração.- Só quero que acabe a covardia! Nós que moramos na rua vivemos com medo. Temos que dormir em grupo. Uns dormem e outros têm que ficar acordados. Ficamos com medo de sermos agredidos, atacados e até queimados. Só estamos na rua porque não temos um teto, um abrigo. Só queria uma oportunidade para trabalhar e estudar – completa o jovem engraxate Márcio Linhares, de 20 anos, que ao completar a maioridade foi despejado do abrigo em que vivia.A caminhada foi encerrada na Cinelândia, no início da tarde. Mas os movimentos presentes seguem em defesa dos direitos das meninas e meninos brasileiros. Como saldo de reflexão e mobilização da atividade fica a idéia descrita na faixa que abria a passeata: “Estatuto da criança e dos adolescente: queremos na prática!”

Fonte: Agência Petroleira de Notícias

www.apn.org.br

Seminário e Ato público: 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente‏


Tropa de Elite: Criminalização da pobreza

Não dá cair no papo furado de que "Tropa de Elite" é "arte pura" ou "obra aberta". Um filme sobre questões sociais não podia ser neutro. Trata-se de uma obra de arte objetivamente ideológica, de caráter fascista, que serve à criminalização e ao extermínio da pobreza. É possível até que os diretores subjetivamente não quisessem este resultado, mas apenas ganhar dinheiro, prestígio e, quem sabe, um Oscar. Vão jurar o resto da vida que não são de direita. Aliás, você conhece alguém no Brasil, ainda mais na área cultural, que se diga de direita?

"Homem de preto. Qual é sua missão? É invadir favela E deixar corpo no chão" (refrão do BOPE)

Como acredito mais em conspirações do que no acaso, não descarto a hipótese de o filme ter sido encomendado por setores conservadores. Estou curioso para saber quais foram os mecenas desta caríssima produção, que certamente foi financiada por incentivos fiscais.

O filme tem objetivos diferentes, para públicos diferentes. Para os proletários das comunidades carentes, o objetivo é botar mais medo ainda na "caveira" (o BOPE, os "homens de preto"). O vazamento escancarado das cópias piratas talvez seja, além de uma estratégia de marketing, parte de uma campanha ideológica. A pirataria é a única maneira de o filme ser visto pelos que não podem pagar os caros ingressos dos cinemas. Aliás, que cinemas? Não existe mais um cinema nos subúrbios, a não ser em shopping, que não é lugar de pobre freqüentar, até porque se sente excluído e discriminado.

No filme, os "caveiras" são invencíveis e imortais. O único que morre é porque "deu mole". Cometeu o erro de ir ao morro à paisana, para levar óculos para um menino pobre, em nome de um colega de tropa que estava identificado na área como policial. Resumo: foi fazer uma boa ação e acabou assassinado pelos bandidos.

Para as classes médias e altas, o objetivo do filme é conquistar mais simpatia para o BOPE, na luta dos "de cima", que moram embaixo, contra os "de baixo", que moram encima.

Os "homens de preto" são glamourizados, como abnegados e incorruptíveis. Apesar de bem intencionados e preocupados socialmente, são obrigados a torturar e assassinar a sangue frio, em "nosso nome". Para servir à "nossa sociedade", sacrificam a família, a saúde e os estudos. Nós lhes devemos tudo isso! Portanto, precisam ser impunes. Você já viu algum "caveira" ser processado e julgado por tortura ou assassinato? "Caveira" não tem nome, a não ser no filme. A "Caveira" é uma instituição, impessoal, quase secreta.

Há várias cenas para justificar a tortura como "um mal necessário". Em ambas, o resultado é positivo para os torturadores, ou seja, os torturados não resistem e "cagüetam" os procurados, que são pegos e mortos, com requintes de crueldade. Fica outra mensagem: sem aquelas torturas, o resultado era impossível.

Tudo é feito para nos sentirmos numa verdadeira guerra, do bem contra o mal. É impossível não nos remetermos ao Iraque ou à Palestina: na guerra, quase tudo é permitido. À certa altura, afirma o narrador, orgulhoso : "nem no exército de Israel há soldados iguais aos do BOPE".

Para quem mora no Rio, é ridículo levar a sério as cenas em que os "rangers" sobem os morros, saindo do nada, se esgueirando pelas encostas e ruelas, sem que sejam percebidos pelos olheiros e fogueteiros das gangues do varejo de drogas! Esta manipulação cumpre o papel de torná-los ainda mais invencíveis e, ao mesmo tempo, de esconder o estigmatizado "Caveirão", dentro do qual, na vida real, eles sobem o morro, blindados. O "Caveirão", a maior marca do BOPE, não aparece no filme: os heróis não podem parecer covardes!

O filme procura desqualificar a polêmica ideológica com a esquerda, que responsabiliza as injustiças sociais como causa principal da violência e marginalidade. Para ridicularizar a defesa dos direitos humanos e escamotear a denúncia do capitalismo, os antagonistas da truculência policial são estudantes da PUC, "despojados de boutique", que se dão a alguns luxos, por não terem ainda chegado à maioridade burguesa.

Os protestos contra a violência retratados no filme são performances no estilo "viva rico", em que a burguesia e a pequena-burguesia vão para a orla pedir paz, como se fosse possível acabar com a violência com velas e roupas brancas, ou seja, como se tratasse de um problema moral ou cultural e não social.

A burguesia passa incólume pelo filme, a não ser pela caricatura de seus filhos que, na Faculdade, fumam um baseado e discutem Foucault. Um personagem chamado "Baiano" (sutil preconceito) é a personificação do tráfico de drogas e de armas, como se não passasse de um desses meninos pobres, apenas mais espertos que os outros, que se fazem "Chefe do Morro" e que não chegam aos trinta anos de idade, simples varejistas de drogas e armas, produtos dos mais rentáveis do capitalismo contemporâneo. Nenhuma menção a como as drogas e armas chegam às comunidades, distribuídas pelos grandes traficantes capitalistas, sempre impunes, longe das balas achadas e perdidas. E ainda responsabilizam os consumidores pela existência do tráfico de drogas, como se o sistema não tivesse nada a ver com isso!

O Estado burguês também passa incólume pelo filme. Nenhuma alusão à ausência do Estado nas comunidades carentes, principal causa do domínio do banditismo. Nenhuma denúncia de que lá falta tudo que sobra nos bairros ricos. No filme, corrupção é um soldado da PM tomar um chope de graça, para dar segurança a um bar. Aliás, o filme arrasa impiedosamente os policiais "não caveiras", generalizando-os como corruptos e covardes, principalmente os que ficam multando nossos carros e tolhendo nossas pequenas transgressões, ao invés de subirem o morro para matar bandido.

A grande sacada do filme é que o personagem ideológico principal não é o artista principal. Este, branco, é o que mais mata. Ironicamente, chama-se Nascimento. É um tipo patológico, messiânico, sanguinário, que manda um colega matar enquanto fala ao celular com a mulher sobre o nascimento do filho.

Mas para fazer a cabeça de todos os públicos, tanto os "de cima" como os "de baixo", o grande e verdadeiro herói da trama surge no final: Thiago, um jovem negro, pacato, criado numa comunidade pobre, que foi trabalhar na PM para custear seus estudos de Direito, louco para largar aquela vida e ser advogado. Como PM, foi um peixe fora d'água: incorruptível, respeitava as leis e os cidadãos. Generoso, foi ele quem comprou os óculos para dar para o menino míope. Sua entrada no BOPE não foi por vocação, mas por acaso.

Para ficar claro que não há solução fora da repressão e do extermínio e que não adianta criticar nem fazer passeata, pois "guerra é guerra", nosso novo herói se transforma no mais cruel dos "caveiras" da tropa da elite, a ponto de dar o tiro de misericórdia no varejista "Baiano", depois que este foi torturado, dominado e imobilizado. Para não parecer uma guerra de brancos ricos contra negros pobres, mas do bem contra o mal, o nosso herói é um "caveira" negro, que mata um bandido "baiano", de sua própria classe, num ritual macabro para sinalizar uma possibilidade de "mobilidade social", para usar uma expressão cretina dos entusiastas das "políticas compensatórias".

A fascistização é um fenômeno que vem sendo impulsionado pelo imperialismo em escala mundial. A pretexto da luta contra o terrorismo, criminalizam-se governos, líderes, povos, países, religiões, raças, culturas, ideologias, camadas sociais.

Em qualquer país em que "Tropa de Elite" passar, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o filme estará contribuindo para que a sociedade se torne mais fascista e mais intolerante com os negros, os imigrantes de países periféricos e delinqüentes de baixa renda.
No Brasil, a mídia burguesa há muito tempo trabalha a idéia de que estamos numa verdadeira guerra, fazendo sutilmente a apologia da repressão. Sentimos isso de perto. Quantas vezes já vimos pessoas nas ruas querendo linchar um ladrão amador, pego roubando alguma coisa de alguém? Quantas vezes ouvimos, até de trabalhadores, que "bandido tem que morrer"?

Se não reagirmos, daqui a pouco a classe média vai para as ruas pedir mais BOPE e menos direitos humanos e, de novo, fazer o jogo da burguesia, que quer exterminar os pobres, que só criam problemas e ainda por cima não contam na sociedade de consumo. Daqui a pouco, as milícias particulares vão se espalhar pelo país, inspiradas nos heróicos "homens de preto", num perigoso processo de privatização da segurança pública e da justiça. Não nos esqueçamos do modelo da "matriz": hoje, os mais sanguinários soldados americanos no Iraque são mercenários recrutados por empresas particulares de segurança, não sujeitos a regulamentos e códigos militares.

Parafraseando Bertolt Brecht, depois vai sobrar para nós, que teimamos em lutar contra o fascismo e a barbárie, sonhando com um mundo justo e fraterno.
A trilha sonora do filme já avisou:

"Tropa de Elite, Osso duro de roer, Pega um, pega geral. Também vai pegar você!"

Texto: Ivan Pinheiro

Caminho Comunista

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Saudações comunistas.

Danilinho Serafim e Luciane Barbosa