terça-feira, 7 de outubro de 2008

As crises e as lutas

Muito do que Leon Trotsky escreveu pode ajudar a entender a complicada relação entre períodos de crescimento econômico, crises econômicas e luta de classes - John Rees.

Os pronunciamentos de George Bush feitos na TV mostram o quanto é seria a crise econômica atual. Mesmo para quem ainda não estava consciente disso.

Com a mesma habilidade que demonstra em política externa, o presidente disse em uma reunião privada para discutir o socorro aos bancos que "se não soltarmos o dinheiro, vai tudo pro vinagre".

Desemprego, despejos, inflação, salários em queda e cortes nos serviços públicos estão agora no horizonte visível de milhões de pessoas.

Para muitos, a necessidade de resistir é óbvia. Mas crises econômicas nem sempre levam a lutas de resistência. Algumas vezes, o medo fala mais alto que a raiva e a passividade vence a ação.

Se é assim, qual é a relação que existe entre crise econômica e luta de classes? Esta é uma questão que todos devem discutir nos movimentos sociais.

Alguns elementos que podem ajudar estão em alguns textos do revolucionário russo Leon Trotsky. Nos anos 1920 e 1930, Trotsky fez observações muito importantes sobre a relação entre crises e resistência.

Trotsky começa por rejeitar a associação grosseira entre crise econômica e crescimento da luta de classes.

Claro que crises econômicas podem fortalecer a resistência dos trabalhadores. Mas, nem sempre os trabalhadores reagem com luta quando são atingidos por uma recessão econômica. Algumas vezes, eles podem permanecer abatidos e sem consciência política. "Não há nenhuma relação automática entre crise econômica e movimentos revolucionários de trabalhadores", diz Trotsky.

Sob certas condições, o crescimento econômico pode até mesmo gerar mais lutas que uma recessão. Com um baixo nível de desemprego e alta confiança em seu poder de negociação com os patrões, os trabalhadores podem lutar para recuperar as perdas que tiveram em um período de crise econômica.

Sendo assim, a que fatores devemos ficar atentos para prever os prováveis efeitos de uma crise econômica na luta de classes?

Trotsky destacou duas grandes considerações que são vitais para qualquer análise desta relação. Primeiro, ele argumenta que temos que olhar para uma crise em seu contexto político maior. Temos que observar como o imperialismo, crises de governo, partidos políticos e, mais importante, a consciência e a combatividade da classe trabalhadora se relacionam com a crise econômica.

Podemos pensar na recessão como um raio da luz e as condições políticas com as quais ele se relaciona como um prisma. O mesmo raio da luz pode ser refletido de modos muito diferentes dependendo da espécie de prisma que ele atravessa.

Antes de tudo, vamos ver a relação entre as fases mais longas de desenvolvimento capitalista e as crises menores. Trotsky comparou a ascensão econômica do início dos anos 1920 com a ascensão analisada por Karl Marx e Frederick Engels no período posterior às revoluções de 1848 na Europa.

Nos anos 1850, a ascensão marcou o começo de um período prolongado de expansão capitalista – "uma época inteira da prosperidade capitalista que durou até 1873", diz Trotsky.

Mas, diz ele, o período que veio após a Revolução Russa e a 1ª Guerra Mundial foi de declínio econômico no qual "as expansões tiveram um caráter (…) superficial, enquanto as crises ficaram cada vez mais prolongadas e profundas".

O que Trotsky quer destacar é que "o movimento do desenvolvimento econômico é caracterizado por duas curvas de ordens diferentes". A primeira curva é básica e simboliza o crescimento geral das forças produtivas. Esta curva move-se para cima seguindo o desenvolvimento geral do capitalismo.

"Esta curva básica, contudo, aumenta para cima desigualmente. Há décadas em que ela cresce muito lentamente. Depois, seguem-se décadas em que a curva move-se repentinamente para cima (…). Em outras palavras, a história nos mostra que tanto há épocas de crescimento gradual, como há momentos de crescimento rápido das forças produtivas."

Trotsky argumentou que a esta primeira curva devemos "sobrepor" uma segunda curva, que mostra os ciclos de expansão e interrupções de crescimento econômico. Só assim podemos entender corretamente o provável impacto de uma crise econômica.

Seguindo essa metodologia, como devemos entender nosso próprio tempo?

Desde a Segunda Guerra Mundial, houve duas fases longas de desenvolvimento capitalista. Do fim da guerra ao início dos anos 1970, o capitalismo viveu seu mais longo período de expansão econômica estável. As crises foram superficiais e curtas, enquanto o crescimento econômico foi substancial e sustentado.

As taxas de lucro dos patrões puderam manter-se crescentes, ao mesmo tempo em que houve elevação do padrão de vida de trabalhadores. Mas, desde os anos 1970, as taxas de crescimento passaram a cair fortemente e as crises ficaram mais agudas. As taxas de lucro só puderam ser mantidas através de ataques à qualidade de vida dos trabalhadores.

Houve crises graves em 1973, início dos anos 1980, começo dos anos 1990, fim dos anos 1990, em 2001 e agora, em 2008. Portanto, a crise atual acontece depois de um período prolongado do crescimento econômico lento e gradual. De fato, durante o período de expansão que antecedeu a atual crise, o valor real dos salários nos Estados Unidos caiu durante quatro anos consecutivos.

Para muitos trabalhadores a sensação de prosperidade durante os anos de expansão foi baseada na elevação dos preços dos imóveis e no crédito fácil. Agora isto está desabando. E toda a fraqueza econômica do sistema está ficando exposta.

Além disso, desde o fim da Guerra Fria, em 1989, o enfraquecimento do sistema econômico teve como sua contraparte um sistema estatal global que ficou mais instável e propenso à guerra.

Provavelmente, a crise deve piorar os conflitos já que a maior parte da instabilidade é causada pelo fato de os Estados Unidos usarem seu poder militar esmagador para compensar a diminuição de seu peso econômico.

Agora vamos ver o segundo elemento do esquema de Trotsky: as condições políticas com que as crises se relacionam.

O fim da expansão do pós-guerra, em 1973, causou uma alteração por atacado na política. A era do crescimento da qualidade de vida e expansão do papel do estado de bem-estar chegou ao fim durante os anos 1970. Mas a verdadeira contra-ofensiva conservadora veio com a eleição de Margaret Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em 1980. O neoliberalismo substituiu o keynesianismo e os ataques aos direitos sociais e aos sindicatos ficaram mais ferozes.

Portanto, entramos na atual crise após 25 anos ou mais da experiência de privatização, desregulamentação econômica e políticas de anti-sindicais. Além de seus efeitos na consciência dos trabalhadores.

A atual crise pode ser a prova mais dramática que o sistema não funciona, mas não é a primeira nem a única. Os efeitos da crise podem causar uma profunda descrença em relação aos políticos e ao sistema político em geral, inclusive em relação a partidos reformistas que adotaram o neoliberalismo praticamente sem alterações.

Este sentimento já vinha crescendo fortemente desde o nascimento dos movimentos anticapitalistas, em 1999. A crescimento do movimento contra a guerra depois de 2001 o tornou ainda mais forte.

A mesma sensação se espalhou pelo movimento social em geral. Mas, este estado de espírito nem sempre leva a desdobramentos políticos à esquerda. Na Europa, por exemplo, partidos de extrema direita vêm aumentando sua votação nas últimas eleições. É preciso lembrar que as opiniões da classe trabalhadora ficam polarizadas em uma crise. De um lado, há o descontentamento com o sistema, mas, de outro, pode-se procurar culpados no bode expiatório mais próximo, como estrangeiros ou negros.

Cada crise implica uma corrida para ver quem pode canalizar a justa raiva das pessoas contra o sistema. De um lado, a direita, cujo objetivo maior acaba sendo manter e reforçar o sistema. Do outro, a esquerda, que precisa apresentar propostas claras e eficazes de luta.

Na medida em que a crise se agrava, aumenta a desilusão com o sistema econômico e político entre amplas camadas da classe trabalhadora. Os grandes movimentos contra a guerra já mobilizaram milhões e aprofundaram a descrença com o reformismo.

Devemos fazer todo o esforço para fortalecer o movimento e ampliar as possibilidades da resistência. Isto implica sermos claros em nossa discussão sobre a natureza do sistema capitalista e a necessidade de destruí-lo. E um compromisso igualmente claro com a luta dos trabalhadores na defesa contra os efeitos da crise.

Estamos vivendo um momento de grande perigo. Mas, também pode ser uma grande oportunidade para a luta socialista.



FONTE: Socialist WorkerSITE: http://www.socialistworker.co.uk/PUBLICAÇÃO: 01/10/2008

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