terça-feira, 4 de novembro de 2008

Taxa de juros e ideologia do Cassino financeiro

17/10/2008 - Ceci Juruá

Taxa de juros e ideologia do Cassino financeiro

Ceci Juruá


As altas finanças globalizadas aliam ao poder do dinheiro o chamado soft power, isto é uma ideologia que justifica suas práticas, lícitas ou não, e que se espalha por universidades, empresas de consultoria e imprensa falada e escrita. Na retaguarda desta ideologia, o mundo dos negócios funciona distribuindo contratos e títulos honoríficos, e posando de mecenas da educação e cultura. Se necessário, outros meios podem ser acionados como aqueles de que nos fala J. Perkins em Confissões de um Assassino Econômico, ou F. Sounders em Quem paga a conta ?,


Por esses túneis sombrios e canais bem irrigados, disseminam-se algumas inverdades, particularmente no que diz respeito ao uso da taxa de juros para fins de política econômica. No Brasil, a tese preferida dos Chicago?s boys é que os juros devem ser aumentados sempre que houver ameaças inflacionárias à vista. Mas de qual juros eles falam :


-daqueles que remuneram nossa poupança, de 0,5% ao mes ?

-do cartão de crédito que cobra mensalmente 10% ou mais ?

-do empréstimo consignado, 2% mensais e 30% anuais?

-do crédito bancário às empresas, em torno de 50% ao ano ?

-do financiamento de automóveis, 35 % anuais ?


Veja, caro leitor, que não há uma única taxa de juros no sistema econômico. Há uma multiplicidade delas, em todos os países. Quando os manuais de Economia afirmam que a taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, porque « quanto maior for a taxa de juros, menor será a demanda de moeda », eles estão se referindo, certamente, à taxa média vigente na economia. Como em todos os modelos, os conceitos são abstratos e não podem ser aplicados dogmaticamente.


O pessoal da engenharia financeira não sabe disso, creio eu. E fica insistindo que é melhor aumentar os juros ? aqueles que incidem sobre a dívida do governo - para prevenir inflação. Essa saída é muito fácil, porque assim a conta recai sobre os trabalhadores. Nós pagamos impostos ao governo para que o governo pague juros aos banqueiros. Mesmo assim a conta não fecha. Em agosto, depois de transferir uma montanha de juros aos bancos, a dívida do governo aumentou R$ 18,8 bilhões! Dezoito bilhões a mais de dívida pública em um único mês ! Em setembro será pior, pois o Banco Central já aumentou a SELIC.


Mas aquilo que se cobra sobre a dívida do governo, a taxa SELIC, será este o melhor instrumento para prevenir a inflação ? Penso que não.


Na verdade as taxas de juros que auxiliam no combate à inflação são as que incidem sobre os gastos dos consumidores e as que recaem sobre investimentos das empresas, por duas razões. Primeiro, as pessoas fazem menos empréstimos e compram menos a crédito quando os juros aumentam. Segundo, as empresas investem menos quando os juros minguam os lucros. Esses dois tipos de taxa é que funcionam como repressores da demanda e como instrumentos de combate à inflação. No Brasil, eles já são abusivamente elevados e por isto tornam-se ineficazes na luta anti-inflacionária. Para reprimir demanda é preciso conter o crédito, como acaba de anunciar o Ministro da Fazenda.


Além do mais, ainda se pode acreditar que a taxa SELIC «divulgada pelo Comitê de Política Monetária (COPOM). tem vital importância na economia, pois as taxas de juros cobradas pelo mercado são balizadas pela mesma » ?. Sinceramente não creio nisso. A SELIC é calculada com base no custo médio das operações lastreadas em títulos públicos federais e só se aplica aos títulos do governo, beneficiando tão somente os rentistas da dívida pública. Assim, a SELIC provoca e amplia o déficit público e, nesse sentido, pode ter efeitos inflacionários de alto risco !


A SELIC abusiva tem outros efeitos, perniciosos ao cidadão, funcionais ao capital. Quando o dinheiro dos impostos é direcionado aos bancos, o governo fica sem recursos para aplicar em gastos sociais, saúde e educação por exemplo. Qual a saída ? Privatizar, respondem os Chicago?s boys. Eis o que eles procuram com os aumentos sucessivos da SELIC: deixar o governo à mingua para justificar mais privatizações e lucros bilionários para o pessoal do Cassino Capitalista, no melhor estilo do american way of life !

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*Ceci Juruá é economista, membro do projeto Outro Brasil/LPP-UERJ, doutoranda do Programa PPFH, ex-professora da Universidade do Brasil e da Universidade Católica de Brasília. Foi Conselheira por dois triênios do CORECON-RJ e diretora do Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro


http://www.lpp-uerj.net/outrobrasil/exibir_artigos_entrevistas.asp?Id_sub_artigo=342&Id_artigo=1

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